ANA KARENINA



Lev Tolstoi

Todos os géneros de felicidade se parecem, mas cada desgraça tem o seu caráter peculiar.

Na verdade não devia ignorar que estava velha, e pouco de apetecer, com os seus achaques e as suas rabugices. Todo o valor de Dolly consistia em ser uma boa mãe, qualidade que não é rara, sem possuir nenhum desses dotes que elevam uma mulher e a destacam das outras.

Não mudava de modo de ver senão quando a opinião geral variava. Adotava opiniões como se adota a moda de um chapéu.

Stepane, que não podia assistir a nenhuma solenidade religiosa sem se aborrecer, não compreendia como se se podia preocupar tanto com a vida futura quando a presente é tão bela.

O costume francês que dá aos pais o direito de decidir a sorte dos filhos estava fora de moda. O hábito inglês que deixa aos filhos toda a liberdade de escolha não estava ainda consagrado. E o uso da Rússia, o casamento por meio de intermediários, era considerado como uma herança dos bárbaros!

Nós temos olhos para ver, enquanto as mulheres nunca veem nada.

Para mim não há baile que seja divertido; para mim só há os que são mais ou menos aborrecidos.

O trabalhador é o labrego, o camponês. Carrega sempre com todo o peso do trabalho e por mais que faça não logra sair da sua condição de besta de carga. A sociedade está disposta de tal modo que, quanto mais trabalham os pobres, mais engordarão os proprietários e os negociantes com o seu trabalho, enquanto eles permanecem sempre no estado de bestas de carga.
Quanto falta a este mundo para ser bom!

— Conte-nos alguma coisa divertida, mas sem malícia.
— Diz-se que só é divertida a malícia.

A conversação começava muito frouxa para que pudesse demorar muito e recorriam ao único meio infalível para a reavivar, a maledicência.

O amor é uma enfermidade, que se sofre como a escarlatina.

Creio que para conhecer com proveito o amor seria necessário, depois de nos termos enganado uma vez, podermos reparar o erro.

— Creio — disse a senhora Karenina, brincando com uma luva — que se há tantas cabeças quantas sentenças, há também tantos diferentes modos de amar quantos os corações.

Sonhava que os dois eram maridos dela e dividiam entre si as suas carícias. Ela espantava-se de ter julgado que isso fosse impossível e ria-se explicando-lhes que tudo se ia simplificar e que ambos daí para o futuro estariam contentes e felizes.

Do contentamento de si própria e da sua caridade.

— Mas o tempo é dinheiro, não o esqueça — disse o coronel.
— Isso é conforme; há meses inteiros que nós daríamos por 50 kopeks, quartos de hora que não cederíamos por nenhum tesouro.

Os filhos, que a preocupavam pela saúde ou pelas maldades, a compensavam das suas penas com uma multidão de pequenas alegrias. Por serem invisíveis e semelhantes ao ouro misturado com a areia, não deixavam, contudo, de existir menos e se nas horas de tristeza ela só via a areia, em outros momentos o ouro reaparecia.

Expôs a Dolly um sistema completo de alimentação de vacas, sistema que as tornava em simples máquinas destinadas a transformar a erva em leite...

— O essencial é civilizar os nossos camponeses.
— Como?
— Fundando escolas, escolas e mais escolas.

Trabalho, esforço-me por conseguir um fim e esqueci-me de que tudo acaba e que a morte está à espera, junto de mim.

Quanto mais pensava, mais via claramente que, na sua conceção da vida, esquecera esse ligeiro pormenor, a morte, que viria cortar tudo cerce e que nada podia impedir! Era terrível!

Que sei eu? Até me tinha esquecido que era preciso morrer!

É verdade, eu não cesso de pensar na morte — respondeu Levine. — Tudo é vaidade, é preciso morrer!

Este universo de que nos julgamos os senhores se compõe de um pouco de bafio cobrindo a superfície do mais pequeno dos planetas!

As nossas ideias, as nossas obras, aquilo que julgamos ter feito de grande, são o equivalente de alguns grãos de poeira!

Quando esta ideia se torna clara para nós, quanto nos parece miserável a vida!

Quando se sabe que a morte virá, que nada ficará de nós, as coisas mais importantes parecem-nos tão mesquinhas!

É para não pensar na morte que caçamos, que trabalhamos, que procuramos distrair-nos.

— O governo fica indiferente às consequências das medidas que toma. Citarei, como exemplo, a questão da educação superior das mulheres. Ela devia ser considerada como funesta; o que não impediu o governo de abrir os cursos públicos e as universidades às mulheres.
— A mulher está privada de direitos porque está privada de instrução, e a falta de instrução corresponde à ausência de direitos. Não esqueçamos que a escravidão da mulher é tão antiga, tão enraizada nos nossos costumes, que muitas vezes somos incapazes de compreender o abismo legal que a separa de nós.
— Não seria mais justo dar a esses direitos o nome de deveres? Um advogado, um empregado do telégrafo, exerce um dever. Digamos, pois, para falar com lógica que as mulheres procuram deveres e nesse caso nós devemos simpatizar com o seu desejo de tomar parte nos trabalhos do homem. O principal está em saber se elas são capazes de exercer esses deveres.
— Com certeza o serão logo que elas forem mais instruídas.
— Confesso que me espanta ver as mulheres procurarem novos deveres, quando vemos infelizmente os homens iludir o mais possível os seus!
— Os deveres são acompanhados de direitos; as honras, a influência, o dinheiro, eis o que as mulheres procuram! A mulher reclama o direito de ser independente e instruída; mas sofre da sua impotência em obter a independência e a instrução.
Começou a explicar-lhe essa questão no ponto de vista da desigualdade dos direitos entre os esposos no casamento; a razão principal desta desigualdade estava, segundo o seu pensar, na diferença estabelecida pela lei e pela opinião pública entre a infidelidade da mulher e a do marido.

Notara tantas vezes que, nas longas discussões, os grandes esforços de lógica e uma profusão considerável de palavras que produziam as mais das vezes nenhum resultado.

Que dúvida pode ter sobre o Criador quando contempla as suas obras? Quem decorou a abóbada celeste, ornamentou a terra com todas as suas belezas? Como existiriam essas coisas sem o Criador? Não sei.

Sentia vivamente nesse momento que havia no âmago das religiões pontos obscuros.

Emprega metade das suas faculdades em criar ilusões e a outra em dar a essas quimeras uma aparência de razão.

Nunca encontrei inimigo do casamento mais convencido do que o senhor.

Não, eu sou unicamente partidário da divisão do trabalho. Aqueles que não servem para nada são bons para propagar a espécie. Os outros devem contribuir para o desenvolvimento intelectual, para a felicidade dos seus semelhantes.

A camponesa respondera que a sua única filha morrera na Quaresma.
— Estás triste?
— Oh! não. Ao avô não lhe faltam netos e esta era um cuidado a mais. Que se pode fazer com uma criança nos braços? É um obstáculo para tudo.

Por que acusam Ana? Se eu não tivesse amado meu marido teria feito outro tanto. Quis viver e não é isso a necessidade que Deus nos pôs no coração? O que eu faço é mais honroso? Suporto meu marido porque me é necessário, eis tudo!
Um sorriso aflorou aos lábios de Dolly pensando num romance análogo ao de Ana, de que ela seria a heroína.
[Ana é a mulher que trocou o marido por outro homem]

Como se pode ser culpada para com as criaturas que não existem?

A base da energia é o amor e o amor não se dá à vontade.

Aos pés da cama se movia entre as mãos da parteira, semelhante à luz vacilante de uma lâmpada, a fraca chama de vida desse ser humano que entrava no mundo com direitos à existência e à felicidade e que um segundo antes ainda não existia.
— Está vivo, não tenha medo, e é um rapaz.

À falta de se achar um homem perfeitamente preparado para o exercer, se contentavam em lá pôr um homem sério. Stepane Arcadievitch era-o em toda a expressão da palavra, segundo a compreensão da sociedade.
[Stepane é um homem que teve e tinha amantes]

O pecado só existe para aquele que crê.

O respeito foi inventado para dissimular a ausência do amor.
[fala do respeito à esposa ou ao marido]

Conhece-me tanto como o resto do mundo! Posso eu mesma vangloriar-me de me conhecer?

Por que estas igrejas, estes sinos, estas mentiras? Para dissimular que nos odiamos todos.

Todos nós estamos votados ao sofrimento e só procuramos o meio de o dissimular.

A razão foi dada ao homem para repelir aquilo que o incomoda.

— Não me confunda com um preto — disse Katavasov rindo. — Quando estiver lavado, verá que tenho um rosto humano.

A vida aparecera-lhe mais terrível ainda que a morte. Donde vinha ela? O que significava? Porque nos tinha sido dada? Sentia não pelo raciocínio, mas por todo o ser que estava nu, despojado e destinado a morrer miseravelmente.
Os materialistas não davam a essas questões nenhum sentido particular e, longe de as explicarem, sem a solução das quais a vida lhe parecia impossível, as afastavam para resolverem outras que o deixaram indiferente.

Eu não posso viver sem saber o que sou e com que fim existo; visto que não posso atingir esse conhecimento, a vida é impossível.
Na infinidade do tempo, da matéria, do espaço, uma célula orgânica forma-se, mantêm-se um momento e rebenta... Essa célula sou eu!

A mesma interrogação o perseguia: «Quem sou eu? Onde estou? Por quê?» Curei-a, é verdade, mas se não é hoje será dentro de um ano, de dez, que será preciso levá-la para debaixo da terra, e o mesmo acontecerá a mim... Por quê?

Não viver para si, mas para Deus!... Qual Deus? Não é insensato pretender que nós não devemos viver para nós, isto é, para o que nos agrada e nos atrai para Deus, que ninguém compreende nem pode definir?

O «bem», se tivesse uma causa, deixaria de ser o bem, como se tivesse uma sanção, uma recompensa...

Ele compreendera claramente que o homem, não tendo outra perspectiva que o sofrimento, a morte e o esquecimento eterno, devia, sob pena de se suicidar, chegar a explicar a si próprio o problema da existência, de maneira a não ver nela a cruel ironia de algum génio maligno. Mas sem nada conseguir explicar, não se matara. O que provava esta inconsequência? Que vivia bem, mesmo pensando mal.

O ensino da razão é a luta pela vida, essa lei que exige que todo o obstáculo para a satisfação dos nossos desejos seja arredado, fazer a guerra é tão terrível que nenhum homem tem o direito de assumir a responsabilidade de a declarar.

— «Não trago a paz, mas o gládio», palavras de Nosso Senhor — disse Sergei Ivanitch, citando estas palavras do Evangelho, que sempre tinham perturbado Levine.
Como admitir o direito que arrogava um punhado de homens, entre os quais seu irmão, de representar pelos jornais a vontade do país quando essa vontade exprimia vingança e assassínio e quando toda a sua certeza se apoiava sobre narrativas suspeitas de algumas centenas de maus cidadãos à cata de aventuras? Para ele nada lhe confirmava estas asserções; nunca o povo consideraria a guerra como um benefício, fosse qual fosse o fim a que se propusesse.

Se a principal prova da existência de Deus é a revelação interior, que dá a cada um de nós o bem e o mal, por que é que essa revelação será limitada na igreja cristã? E esses milhões de budistas, de muçulmanos, que procuram igualmente o bem?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GÊNEROS LITERÁRIOS - Angélica Soares

O GUIA DO MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS - Douglas Adams

DO GROTESCO E DO SUBLIME de Victor Hugo