DO GROTESCO E DO SUBLIME de Victor Hugo
DO GROTESCO E DO SUBLIME
HUGO, Victor. Do grotesco e do Sublime. Tradução do “Prefácio de Cromwell”. Trad.
Celia Berretini. Perspectiva, São Paulo, 1988
—
... se uma obra é boa ou má, pouco lhes importa sobre que
idéias astá assentada, com que espírito germinou. (p.13)
—
Eis o primeiro homem, eis o primeiro poeta. É jovem, é
lírico. A prece é toda a sua religião: a ode é toda a sua poesia. (p.17)
—
Homero, com efeito, domina a sociedade antiga. (p.18)
—
... a expressão de uma semelhante civilização não pode ser
senão a epopéia. (...) Heródoto é um Homero. (p.18)
—
Como Aquiles que arrasta o corpo de Heitor, a tragédia grega
gira em torno de Tróia. (p.20)
—
É preciso abster-nos de lançar um olhar desdenhoso a esta
época em que estava em germe tudo o que depois frutificou, a este tempo cujos
menores escritores, se nos permitem uma expressão trivial, mas franca, serviram
de esterco para a ceifa que devia seguir-se. A Idade Média está enxertada no
baixo império. (p.24)
—
Antigos havia somente estudado a natureza sob uma única
face, repelindo sem piedade da arte quase tudo o que, no mundo submetido à sua
imitação, não se referia a um certo tipo de belo. ... O cristianismo conduz a
poesia à verdade. ... a musa moderna ... sentirá ... que o feio existe ao lado
do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal
com o bem, a sombra com a luz. ... se ... o meio de ser harmonioso é ser
incompleto. ... a poesia dará um grande passo, ... Ela se porá a fazer como a
natureza, a misturar nas suas criações, sem entretanto confundi-las, a sombra
com a luz, o grotesco com o sublime, ... o ponto de partida da religião é
sempre o ponto de partida da poesia. (p.24/25)
—
... eis uma nova forma que se desenvolve na arte. Este tipo
é o grotesco. Esta forma é a comédia. (p.26)
—
... acabamos de indicar o traço característico, ... a
literatura romântica da literatura clássica. (p.26)
—
... é da fecunda união do tipo grotesco com o tipo sublime
que nasce o gênio moderno, (p.27)
—
... o grotesco tem um papel imenso ... de um lado, cria o
disforme, e o horrível; do outro, o cômico e o bufo. (p.28/29)
—
E como é livre e franco no seu andar! (p.29)
—
O gênio moderno ... transforma os gigantes em anões; dos
cíclopes faz os gnomos. ... Certamente, as eumênides gregas são bem menos horríveis,
e, como conseqüência, bem menos verdadeiras que as feiticeiras de Macbeth. Plutão não é o diabo. (p.30)
—
... como objetivo
junto do sublime, como meio de contraste, o grotesco é, ... a mais rica fonte
que a natureza pode abrir à arte. ... o grotesco é um tempo de parada, um termo
de comparação, um ponto de partida de onde nos elevamos para o belo com uma
percepção mais fresca e mais excitada. (p.31
—
Quando a arte é conseqüente com ela mesma, leva de maneira
bem mais segura cada coisa para seu fim. (p.31)
—
... o grotesco, ... na poesia nova, enquanto o sublime
representará a alma tal qual ela é, purificada pela moral cristã, ele
representará o papel da besta humana. ... O belo tem somente um tipo; o feio
tem mil. ... o belo, ... é ... a forma considerada na sua mais simples relação,
... o feio, ... é um pormenor de um grande conjunto que nos escapa, e que se
harmoniza, não com o homem, mas com toda a criação. (p.32/33)
—
... arquitetura que, na Idade Média, ocupa o lugar de todas
as artes. (p.34)
—
É verdade dizer que, na época em que acabamos de deter-nos,
a predominância do grotesco sobre o sublime, nas letras, está vivamente
marcada. (p.36)
—
Shakespeare, é o drama; e o drama, que funde sob um mesmo
alento o grotesco e o sublime, ... o drama é o caráter próprio da terceira
época de poesia, da literatura atual. (p.36/37)
—
... para resumirmos ... a poesia tem três idades, das quais
cada uma corresponde a uma época da sociedade: a ode, a epopéia e o drama. Os
tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos, os tempos modernos
são dramáticos. A ode canta a eternidade, a epopéia soleniza a história, o
drama pinta a vida. O caráter da primeira poesia é a ingenuidade, o caráter da
Segunda é a simplicidade, o caráter da terceira, a verdade. Os rapsodos marcam
a transição dos poetas líricos aos poetas épicos, como os romancistas, dos
poetas épicos aos poetas dramáticos. Os historiadores nascem com a segunda
época; os cronistas e os críticos com a terceira. As personagens da ode são
colossos: ... os da epopéia são gigantes: ... os do drama são homens. A ode
vive do ideal, a epopéia do grandioso, o drama do real. Enfim, esta tripla
poesia provém de três grandes fontes: a bíblia, Homero, Shakespeare. (p.37)
—
A sociedade, com efeito, começa por cantar o que sonha,
depois canta o que faz, e enfim se põe a pintar o que pensa. (p.38)
—
... tudo, na natureza e na vida, passa por estas três fases,
do lírico, do épico e do dramático, (p.38)
—
Há tudo em tudo; só que existe em cada coisa um elemento
gerador ao qual se subordinam todos os outros, e que impõe ao conjunto seu
caráter próprio. (p.39)
—
É, pois, no drama que tudo vem dar, na poesia moderna.
(p.40)
—
Do dia em que o cristianismo disse ao homem: “Você é duplo,
... desde esse dia foi criado o drama. (p.41/42)
—
Porque a verdadeira poesia, a poesia completa, está na
harmonia dos contrários. ... tudo o que está na natureza está na arte. (p.42)
—
... do grotesco aliado ao sublime, ... na poesia dos povos
cristãos, o primeiro destes dois tipos representa a fera humana, o segundo a
alma. (...) Os dois tipos assim isolados (...) ir-se-ão cada um por seu lado,
deixando entre eles o real, (...) depois destas abstrações, restará alguma
coisa a representar: o homem. Depois destas tragédias e comédias, alguma coisa
a fazer: o drama. (p.43)
—
“Do sublime ao ridículo há apenas um passo” (...) este grito
de angústia é o resumo do drama e da vida. (p.44/45)
—
É, pois, o grotesco uma das supremas belezas do drama.
(p.45)
—
... a localidade exata é um dos primeiros elementos da
realidade. (p.48)
—
A unidade de tempo não é mais sólida que a unidade de lugar.
(...) Cruzar a unidade de tempo com a unidade de lugar como as barras de uma
prisão, e aí fazer entrar pedantescamente, em nome de Aristóteles, todos estes
fatos, todos estes povos, todas estas figuras que a providência desenrola em
tão grandes massas na realidade! É mutilar homens e coisas; é caretear a
história. (p.49)
—
... ação. (...) é ela que marca o ponto de vista do drama.
(p.50)
—
Repete-se entretanto, e repetir-se-á algum tempo ainda, sem
dúvida: — Sigam as regras! Imitem os modelos! Foram as regras que formaram os
modelos! — Um momento! Há neste caso duas espécies de modelos, os que fizeram
segundo as regras, e, antes deles, os que segundo os quais, se fizeram as
regras. Ora, em qual destas duas categorias o gênio deve procurar um lugar?
Ainda que seja sempre duro estar em contato com os pedantes, não vale mil vezes
mais dar-lhes lições que deles receber? E depois, imitar? O reflexo vale como a
luz? O satélite que se arrasta sem cessar no mesmo círculo vale como o astro
central e gerador? Com toda a sua poesia, Virgílio é apenas a lua de Homero.
(p.55)
—
A arte não conta com a mediocridade. (...) a mediocridade
não existe para ela. (p.56)
—
O poeta, (...) não deve, pois, pedir conselho senão à natureza,
à verdade, e à inspiração, que é também uma verdade e uma natureza. (p.57)
—
... o limite intransponível (...) separa a realidade segundo
a arte da realidade segundo a natureza. (...) a verdade da arte não poderia
jamais ser, (...) a realidade absoluta.
A arte não pode representar a própria coisa. [signo] (p.59/60)
—
... o domínio da arte e o da natureza são perfeitamente
diferentes. (p.60)
—
... o drama é um espelho em que se reflete a natureza. (...)
É, pois, preciso que o drama seja um espelho de concentração que, longe de
enfraquecê-los, reuna e condense os raios corantes, que faça de um vislumbre
uma luz, de um luz uma chama. Só então o drama é arte. (p.61)
—
... a finalidade da arte é quase divina: ressuscitar, se
trata da história: criar, se trata da poesia. (p.61)
—
A cor local não deve estar na superfície do drama, mas no
fundo, no próprio coração da obra, (p.62)
—
O verso é a forma ótica do pensamento. (p.68)
—
... rima, esta escrava rainha, (p.69)
—
A categoria de uma obra deve ser fixada não segundo sua
forma, mas segundo seu valor intrínseco. (p.71)
—
Não se fixa uma língua. (p.71)Os defeitos, pelo menos o que
assim nomeamos, são freqüentemente a condição nativa, necessária, fatal, das
qualidades. (p.87)
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