O QUE É SEMIÓTICA - Lúcia Santaella
O QUE É SEMIÓTICA
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 1.ed. São Paulo. Brasiliense, 1993. (coleção
primeiros passos; 103)
—
“Quando alguma coisa se apresenta em estado nascente, ela
costuma ser frágil e delicada, campo aberto a muitas possibilidades ainda não
inteiramente consumadas e consumidas. Esse é justamente o caso da semiótica:
algo nascendo e em processo de crescimento. Esse algo é uma ciência, (p.8)
—
Toda definição acabada é uma espécie de morte, (p.9)
—
Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem. (p.9/10)
—
língua que falamos,
(...) não é a única e exclusiva forma de linguagem (p.10)
—
As linguagens estão no mundo e nós estamos na linguagem. A
semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens
possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de
todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significado e de sentido.
(p.13)
—
Seu campo de indagação é tão vasto que chega a cobrir o que
chamamos de vida. (...) Sem informação não há mensagem (...) Sem a linguagem
seria impossível a vida, (p.13/14)
—
... a semiótica busca divisar e deslindar seu ser de
linguagem, isto é, sua ação de signo. Tão-só e apenas. E isso já é muito.
(p.14)
—
Peirce era, antes de tudo, um cientista. (p.17)
—
Sendo um cientista, Peirce era, acima de tudo, um lógico.
Essa foi a grande i irresistível paixão de toda a sua vida. (17)
—
... entender a lógica das ciências era, em primeiro lugar,
entender seus métodos de raciocínio. Os métodos diferem muito de uma ciência a
outra e, de tempos em tempos, dentro de uma mesma ciência. Os pontos em comum
entre esses métodos só podem ser estabelecidos, desse modo, por um estudioso
que conheça as diferenças, e que as conheça através da prática das diferentes
ciências. (p.18)
—
... foi de dentro do diálogo de um só homem com 25 séculos
de tradição filosófica ocidental, assim como foi de dentro de um gigantesco
corpo teórico que veio gradativamente emergindo a sua teoria lógica, filosófica
e científica da linguagem, isto é, a semiótica. (p.21)
—
... qualquer todo suficiente é necessariamente insuficiente.
(p.23)
—
“materialismo sem idealismo é cego: idealismo sem
materialismo é vazio”. (p.25)
—
“O universo está em expansão”, (...) “onde mais poderia ele
crescer senão na cabeça dos homens?”. (p.25)
—
Todo o passado filosófico e científico era por ele tomado
como imprescindível material de trabalho. (p.26)
—
... foi apenas a partir da localização da semiótica, no
conjunto do seu próprio sistema, (...) que Peirce passou a pôr em ordem suas
formulações anteriores e a dar prosseguimento a sua doutrina formal de todos os
tipos possíveis de signos, ou seja, a Lógica ou Semiótica. (p.27)
—
Para ele, a primeira instância de um trabalho filosófico é a
fenomenológica. (p.28)
—
A Fenomenologia, (...) meramente observa os fenômenos e,
através da análise, postula as formas ou propriedades universais desses
fenômenos. Devem nascer daí as categorias universais de toda e qualquer
experiência e pensamento. (p.29)
—
... sob a base da Fenomenologia que as ciências normativas
se desenvolvem obedecendo à sequência seguinte: Estética, Ética e Semiótica ou
Lógica. (...) a Estética se define como ciência daquilo que é objetivamente
admirável (...) a Ética ou ciência da ação ou conduta (...) da estética recebe
seus primeiros princípios. Sob ambas, e delas extraindo seus princípios,
estrutura-se em três ramos a ciência Semiótica, (...) como última ciência desse
edifício aparece a Metafísica ou ciência da realidade. (p.29)
—
... a Metafísica comparece como resultante e não antecedente
de toda sua filosofia. (p.29)
—
A Semiótica (...) tem por função classificar e descrever
todos os tipos de signos logicamente possíveis. (p.29)
—
Peirce (...) pretendia gerar uma fundamentação conceitual
para uma filosofia arquitetônica, baseada em uns poucos conceitos simples e
suficientemente vastos a ponto de dar conta do “trabalho inteiro da razão
humana”. (p.30)
—
... phaneroscopia
(descrição dos phanerons ou
fenômenos), (p.30)
—
Dizia Peirce: “A fenomenologia ou doutrina das categorias
tem por função desenredar a emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido,
aparece, ou seja, fazer a análise de todas as experiências é a primeira tarefa
a que a filosofia tem de se submeter.
Ela é a mais difícil de suas tarefas, exigindo poderes de pensamento muito
peculiares, a habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangíveis, organizá-las
em disposição ordenada, recolocá-las em processo”. (p.33)
—
São três as faculdades que devemos desenvolver para essa
tarefa: 1) a capacidade contemplativa, (...) 2) saber distinguir (...) diferenças
nessas observações; 3) ser capaz de generalizar (p.33)
—
Apesar de apresentar uma atitude de retorno à experiência
mesma que temos do mundo, apesar de partir da observação acurada dos próprios
fenômenos, Peirce chega às suas categorias através da análise e do atento exame
do modo como as coisas aparecem à consciência. (p.34)
—
Foi só através da observação direta dos fenômenos, nos modos
como eles se apresentam à mente, que as categorias universais, como elementos
formais do pensamento, puderam ser divisadas. (...) Desse modo, sua pequena
lista de categorias consiste de concepções simples e universais porque são
necessárias a todo e qualquer entendimento que possamos Ter das coisas, reais
ou fictícias. (p.34)
—
... tudo que aparece à consciência, assim o faz numa
gradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de
toda e qualquer experiência. (p. 34/35)
—
... Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, (p.35)
—
... a 1ª corresponde ao acaso, (...) a 2ª corresponde à ação
e reação dos fatos concretos, (...) a 3ª categoria diz respeito à mediação ou
processo, (...) O 3º pressupõe o 2º e 1º; o 2º pressupõe o 1º; o 1º é livre.
Qualquer relação superior a três é uma complexidade de tríades. (p.39)
—
Consciência não se confunde com razão. Consciência é como um
lago sem fundo no qual as idéias (partículas materiais da consciência) estão
localizadas em diferentes profundidades e em permanente mobilidade. (p.41)
—
... para pensar precisamos nos deslocar no tempo,
deslocamento que nos coloca fora do sentimento mesmo que tentamos capturar.
(p.43)
—
... o primeiro (primeiridade) é presente imediato, (p.45)
—
Mas não se esqueça: qualquer descrição dele deve
necessariamente falseá-lo. (p.45)
—
Tratam-se de estados de disponibilidade, (...) consciência
passiva, em eu. (p.46)
—
Consciência em primeiridade é qualidade de sentimento (p.46)
—
Esse estado-quase, aquilo que é ainda possibilidade de ser,
deslancha irremediavelmente para o que já é, e no seu ir sendo, já foi.
Entramos no universo do segundo. (p.47)
—
... secundidade: ação de um sentimento sobre nós e nossa
reação específica, comoção do eu para com o estímulo. (p.48)
—
... em toda experiência, quer seja de objetos interiores ou
exteriores, há sempre um elemento de reação ou segundo, anterior à mediação do
pensamento articulado e subsequente ao puro sentir. (p.48)
—
Estar acordado já é uma consciência de reação, que não se
confunde com cognição, pois sua apreensão se dá através da percepção direta,
anterior ao pensamento.(p.48)
—
... terceiridade, (...) aproxima um primeiro e um segundo
numa síntese intelectual, (p.51)
—
Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e
compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um
pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos. (p.51)
—
Para conhecer e se conhecer o homem se faz signo e só
interpreta esses signos traduzindo-os em outros signos. (p.52)
—
O significado de um pensamento ou signo é um outro
pensamento. (p.52)
—
Eis aí, num mesmo nó, aquilo que funda a miséria e a
grandeza de nossa condição como seres simbólicos. Somos no mundo, estamos no
mundo, mas nosso acesso sensível ao mundo é sempre como que vedado por esta
crosta sígnica que, embora nos forneça o meio de compreender, transformar,
programar o mundo, ao mesmo tempo usurpa de nós uma existência direta,
imediata, palpável, corpo a corpo e sensual com o sensível. (p.52)
—
... sentimento, [1º] vontade [2º] e conhecimento [3º].
(p.53)
—
Nessa medida, para nós tudo é signo, qualquer coisa que se
produz na consciência tem o caráter de signo. No entanto, Peirce leva a noção
de signo tão longe a ponto de que um signo não tenha necessariamente de ser uma
representação mental, mas pode ser uma ação ou experiência, ou mesmo uma mera
qualidade de impressão. (p.53/54)
—
“Se um lógico for falar das operações da mente, ele deve
significar por mente algo bem diferente do objeto de estudo do psicólogo. A
lógica será aqui definida como Semiótica formal. Ima definição de signo será
dada, sem se referir ao pensamento humano...” (p 56)
—
“Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um
objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo,
mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele
representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de
certa maneira determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto.
Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo, e da qual
a causa mediata é o objeto, pode ser chamado, o interpretante”. (p.58)
—
A partir da relação de representação que o signo mantém com
o seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o
significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). (p.58/59)
—
O objeto imediato ... diz respeito ao modo como o objeto
dinâmico ... está representado no signo. (p.59)
—
O interpretante imediato consiste naquilo que o signo está
apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. (p.60)
—
... porque não representam efetivamente nada, senão formas e
sentimentos ... os ícones têm um alto poder de sugestão. (p.64)
—
... um rema, isto é, uma conjectura ou hipótese. (p.65)
—
... uma imagem é
um hipoícone porque a qualidade de sua aparência é semelhante à qualidade da
aparência do objeto que a imagem representa. (p.65)
—
... um diagrama é
hipoícone de segundo nível, (p.65)
—
Hipoícone de terceiro nível são as metáforas verbais. (p.65)
—
Qualquer coisa que se apresente diante de você como um
existente singular, material, aqui e agora, é um sin-signo. (p.65/66)
—
Tudo que existe, portanto, é índice ou pode funcionar como
índice. (p.66)
—
Rastros, pegadas, resíduos, remanências são todos índices de
alguma coisa que por lá passou deixando suas marcas. (p.66)
—
É claro que todo índice está habitado de ícones, de
quali-signos que lhe são peculiares e que nele inerem ( a secundidade pressupõe
a primeiridade). ... funciona como signo, ... porque nele o mais proeminente é
o seu caráter físico existencial, apontando para uma outra coisa (seu objeto)
de que ele é parte. (p.67)
—
... o signo é de lei (legi-signo). Sendo uma lei, em relação
ao seu objeto o signo é um símbolo. (p.67)
—
... se o ícone tende a romper a continuidade do processo
abstrativo, porque mantém o interpretante a nível de primeiridade, isto é, na
ebulição das conjecturas e na constelação das hipóteses (fornte de todas as
descobertas); se o índice faz parar o processo interpretativo no nível
energético de uma ação como resposta ou de um pensamento puramente
constatativo; o símbolo, por sua vez, faz deslanchar a remessa de signo a
signo, remessa esta que só não é para nós infinita, porque nosso pensamento, de
uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, está inexoravelmente preso aos
limites da abóboda ideológica, ou seja, das representações de mundo que nossa
historicidade nos impõe. (p.68/69)
—
Como matrizes abstratas, as três tríades definem campos
gerais e elementares que raramente serão encontrados em estado puro nas
linguagens concretas que estão aí e aqui, conosco e em uso. Na produção e
utilização prática dos signos, estes se apresentam amalgamados, misturados
inter-conectados. (p.69)
—
Pode-se concluir: a língua não está em nós, nós é que
estamos na língua. (p.78)
A língua é constituída pelo conjunto sistemático
de convenções necessárias à comunicação, ... A fala, ... é a parte individual
da linguagem, (p.78)
Peirce demonstra de forma racional, uma certa interpretação do mundo, de forma mais aberta, ampla, indo na essência dos simbolismos... Muito bom, em relação a sua pretensão de fundamentar conceitualmente uma filosofia arquitetônica, lhe apresento a PERMACULTURA... Grato, sucesso!
ResponderExcluir