O DEMONOLOGISTA



Qual é o verdadeiro fruto do pecado original? Individualidade!

Passei minha carreira dando aulas sobre coisas nas quais não acredito. Um ateu estudioso da Bíblia. Um especialista em demônios que acredita que o mal é uma invenção humana. Nunca vi um truque de mágica que não conseguisse decifrar.
[Talvez esse seja o tipo ideal de pessoa para dar aulas sobre esse e outros temas que envolvem religião e crença]

Há coisas que têm um significado, cultural, mesmo sem existir.
[E não são poucas, eu diria]

A mente é onde eles habitam, e nela Podemos fazer do inferno um paraíso, do paraíso um inferno Este é John Milton, falando por meio de Satã, sua ficção mais brilhante.
[Vale para todos os deuses e demônios]

Outro ano passou (e, com ele, mais um doloroso clique no hodômetro pessoal).

Você é um especialista do nada. Um vácuo que anda e fala.
[Descreve muitas pessoas que estudam anos e anos para se tornarem apenas idiotas com diploma]

Eu não admito a existência de demônios, como não admito a de Papai Noel. Se você quer um demonologista, sugiro procurar o Vaticano. Talvez lá haja alguém que ainda leva esse assunto a sério.
[Boa fala!]

Volto para o calor lá fora, tomando o caminho do metrô. O ar é pior aqui embaixo, selado a vácuo e adocicado pelo lixo. Isso se soma aos odores humanos, cada um contando uma pequena tragédia de escravidão ou desejo frustrado quando passa.

“É uma espécie de superpoder, quando se pensa nisso. Ter um amigo que aceita nossa versão da realidade”. “Não há realidade, e sim versões da realidade”. “Quem disse isso?”, “Eu, tanto quanto sei”, ela responde, tomando um gole.

“Sua melancolia. Ou depressão. Junto com nove entre dez das doenças que estudei, diagnostiquei, busquei tratar. Chame como você quiser, mas são só nomes diferentes para a solidão". “Não estou sozinho”. “Mas você pensa que está".
[Acho que tem muita gente assim, se achando sozinhas quando não estão]

“Algumas vezes as pessoas fecham a porta porque estão tentando encontrar uma maneira de fazer você bater nela”.

Profissionais de elevada escolaridade que têm preconceito contra os subúrbios, daremos a nossos filhos únicos aquilo de que eles precisam para um dia se transformarem em nós.
[Quanto mais rica é a pessoa, mais deseja que sua prole a copie, acho]

O fingimento é meu lar, não uma invencionice de romances, de filmes.
[Vale pra todo mundo. Temos personas, bem assim, no plural]

“Precisamos conversar”, ela diz. “As duas palavras mais temidas na história do casamento”. “Estou falando sério”. “Eu também”.

Continuo lendo sobre o passado empapado de sangue dos monumentos da cidade, as batalhas travadas pela terra, pelo comércio, pela religião. “Tudo em Veneza é roubado. As pedras, as relíquias, os ícones, as cruzes de ouro em todas as igrejas. É uma cidade construída unicamente sobre o orgulho dos homens.
[E Veneza não é a única cidade assim]

Guazzo estabelece cinquenta maneiras de estabelecer.
[Espero que seja erro só de tradução]

Não se trata de encontrar uma maneira de seguir em frente. Não se trata de ficar com raiva de Deus. Trata-se de morrer. De querer estar morto.
[Por que é tão errado, ou difícil de acreditar, que uma pessoa possa, lucidamente, desejar a morte?]

Provavelmente não há um pai vivo no mundo que possa ver filhos de desconhecidos brincando sem pensar nos seus próprios.
[Não sei quanto aos pais, mas sou mãe e em cada criança do sexo masculino que passa por mim vejo meu filho, ou no mínimo penso nele]

Estou certo de que os psiquiatras têm uma palavra para isso. Eu me contento com covardia.
[Vale para muitas palavras, a psicologia dá um nome e a gente dá outro que às vezes descreve melhor o que sentimos]

A alegria em fazer algo com alguém que você ama, mesmo se a tarefa é grande demais para ser cumprida.
[Essa alegria existe, mesmo quando aparecem muitas dores no caminho]

Se o milagre é uma das maneiras de o Salvador provar sua identidade, a magia é a maneira de os demônios provarem a deles.
[Isso parece preconceito contra outras crenças]

Todos arrastando coroas de flores e a si próprios escada acima, como se a crença fosse um produto esgotado que precisasse de uma vigorosa recauchutagem, o que eu acho que precisa.
[São bem assim as procissões da igreja católica]

Minha tarefa era apresentar uma versão repaginada em PowerPoint da minha palestra padrão sobre como o Satã de Milton é um defensor precoce da dissolução do patriarcado.
[Não li Milton, deu vontade]

“Espero que você encontre o que está procurando”. “Mesmo se você acha que é uma miragem”. “Às vezes as miragens acabam sendo reais. Às vezes há água no deserto”. “Às vezes, os monstros são reais”, “Mesmo se eles não se parecem com monstros”.
[A maioria dos monstros não se parecem com monstros]

Sentir a falta de alguém é como ter fome. Um vazio insaciável no cerne de si próprio.
[Algo assim]

Até mesmo a recordação da felicidade pode ter um efeito contrário. Saber que um momento não apenas passou, mas pode nunca mais ser citado de novo, traz um tipo completamente novo de dor.
[Sei TÃO bem como isso é verdade!]

Entendo agora. É a esmagadora solidão dos quartos de hotel que faz com que todos liguem a TV imediatamente ao entrar.
[Eu gosto de quartos de hotel, por isso não sinto assim e não ligo a TV assim que entro]

O começo do ciclo sendo a Lua nova, quando a superfície está totalmente escura. O mais próximo da ausência total da luz do Sol a que o mundo chega.
[Só se for antes da eletricidade]

Se perguntássemos ao americano médio o porquê de termos nos dado o trabalho de combater na Europa na última guerra, se o americano médio fosse totalmente honesto, a essência de sua resposta seria algo como “Um Denny’s 24 horas em todas as cidades”. Todos riram. Em parte porque provavelmente é verdade.
[Faz sentido]

“Estive pensando”, diz O’Brien quando eu atendo. “Eu também. Nem sempre é algo bom de se fazer. Acredite em mim”.
[Sempre digo que pensar dói, mesmo não abrindo mão de pensar]

O estacionamento inundado de luz, como se à espera de um evento esportivo, uma partida de futebol a ser jogada entre as picapes e as minivans.

Minha dor derrota toda consolação. “Exceto pelo fato de que não foi o fim da história”. “Não. Porque é aí que nascem os mitos. No ponto onde terminam os fatos e a imaginação prossegue, disfarçada de fato”. O símbolo é poderoso o bastante — útil o bastante para todos aqueles que já perderam um ser amado, ou seja, todo o mundo — para que o mito se sustente. Talvez até que se torne crível”.
[A maioria das crenças religiosas, se não todas, têm sua base na dor. Gente feliz não costuma pensar muito em deuses]

O único livro com o qual estou trabalhando é o mundo real à minha volta.

Platão, penso nisso agora, definia daimon como “sabedoria”. O poder demoníaco procede não do mal, mas do conhecimento das coisas. Um anjo que se extraviou. Como? Pelo abuso da sabedoria. Não foi a partir da escuridão que o Anticristo se formou, mas a partir da inteligência.
[O conhecimento tem o poder de enfraquecer, e até de matar, os deuses]

Um miltoniano. Suas várias citações de Paraíso Perdido não podem ser vistas como coincidência.
[Na história não é mesmo]

“Acho que me foi mostrado como a presença — como o Inominável — trabalha. Busca uma porta, um caminho para o seu coração. Tristeza. Mágoa. Inveja. Melancolia. Encontra uma abertura e entra”. “Os demônios afligem os fracos”. “Ou aqueles que pedem por ajuda sem se incomodar com quem está pronto a dá-la”. “E então?” “Rompe a parede entre o que você imagina fazer e aquilo que você nunca faria”.
[É assim que as pessoas acreditam em monstros, e é assim que se tornam monstros]

Estou pendurado na ponta de uma corda esfiapada. E não posso soltá-la”. “Mesmo que ela leve você para um lugar ruim?” “Já levou”.
[A descrição do desespero, não precisa ter demônio para ser assim]

Há uma razão para o fato de, não importa o quão sofisticadas ou primitivas, todas as religiões terem demônios. A experiência demoníaca é a única verdadeiramente universal de todas as experiências religiosas do homem”.
[Será que é assim mesmo? Já li sobre uma tribo sem deus e não me consta que demônios sejam outra coisa que não deuses]

“Diga-me uma coisa. Por que os homens sempre acham que têm de agir como super-heróis autodestrutivos quando surge algum problema?” “É a única maneira de amar que conhecemos”.
[E isso pode ser uma falha MUITO séria e perigosa]

O’Brien checando mensagens de e-mail e a secretária eletrônica no celular. “Você está aguardando uma chamada?” “Um tique nervoso”, ela diz. “Eu fico ansiosa e começo a brincar com os botões dessa coisa”. “Todo mundo tem esse tique nervoso”.
[Adoramos vícios, esse é o da nossa época]

Há uma valentona na minha turma. Ela se chama Rose. Provavelmente o nome mais errado jamais dado a alguém no mundo.
[Como uma mulher muito feia chamada Linda]

Pedimos Budweisers antes mesmo de sentar a uma mesa no canto. A cerveja não tem gosto, mas está espumante e gelada, e cumpre a mágica do álcool de soltar a língua.
[Já vi tanta gente em outro país falando mal da Budweiser que a única solução foi confirmar minha crença de que cerveja no Brasil é ruim mesmo. Mas fazer o quê? É o que temos. Tim tim!]

Câncer também é um tipo de possessão. E, como um demônio, antes de reclamar a pessoa, ele a devora aos poucos.
[É horrível e atinge gente decente e crianças inocentes. É uma das muitas provas de que o tal deus de bondade que criou tudo não tem como existir]

“O mais horrível é como isso é fácil”, ela diz. “Você se dá uma justificativa, e matar se torna muito fácil”.
[Verdade, acho. Muitas pessoas encontram justificativas para matar com uma facilidade espantosa]

Filhos e filhas da classe média alta, do “coração da América Deus-gosta-mais-de-nós”, como explica O’Brien.
[Descrevendo bem as sobrinhas e os sobrinhos do Tio Sam]

A verdade é que todo mundo perde alguém sem o qual eles acham impossível viver.
[Como diz meu filho: Todo mundo é muita gente]

“Em toda a sua vida adulta você estudou religião, cristianismo, os atos dos apóstolos — e ainda assim não acredita em Deus”, “Por que não?”, “Porque você não pode aceitar a noção de sua bondade absoluta! Você sofreu muito, à sua maneira para servir sem questionar um Senhor sempre amoroso, sempre tirânico. A bondade dele é outro nome para Autoridade, uma ordem por escrito de um pai ausente. Sua mente crítica não lhe dá outra chance a não ser ver isso.
[Se existisse um deus criador, ele só poderia ser mau]

Paraíso Perdido é uma belíssima descrição enganosa, você não acha? Simula justificar os mandamentos dirigidos por Deus aos homens, mas na verdade é uma justificativa para a independência, a liberdade.
[De novo deu vontade de ler]

“A mente tem seu próprio lugar, e neste/ Pode fazer do inferno um paraíso, do paraíso um inferno”.
[O cérebro pode tudo isso, basta ter a substância química correta]

“O Anticristo virá portando armas de persuasão, não de destruição”. “A Besta não se erguerá das águas, mas de dentro de vocês. De cada um de vocês, um de cada vez. E de uma maneira adequada a suas próprias dúvidas, frustrações. Sua dor”.
[Descreve bem a mídia e o poder financeiro e político da atualidade]

“Eu vou morrer! É isso que tenho em comum com toda a humanidade. Todos nós carregamos o conhecimento de nossas próprias mortes. Mas Deus? É claro que ele continua! Eterno. Indiferente. A bondade pura é fria, David. É por isso que eu abraço a morte.
[Indiferente como se não existisse... provavelmente porque não existe]

“Um assassino pela Igreja. Isso alguma vez perturba a consciência de um coroinha de Astoria?”
“Você sabe o que é cumprir ordens sagradas”. “Não matarás.” “A exceção mais frequente.
[Da conversa com o assassino, contratado e pago pela igreja, que veio matá-lo]

Quando se está fugindo — não importa de quem — o aeroporto não é uma boa opção.
[Deve ser um bom conselho]

“Por isso vou incitar suas mentes/ Com mais desejo de saber, e de rejeitar/ Ordens invejosas”.

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