O AVESSO DA PELE
Você também não quer saber de orações subordinadas. Mas escola foi feita para isso. Foi feita para aborrecer os alunos. E você sabe que é parte dessa chateação.
Foi Arthur de Gobineau quem afirmou que as raças protagonizaram as lutas pelo poder e que, portanto, haveria raças inferiores e raças superiores.
A infância nos fornece certas mágoas e é com elas que lutamos.
Amor não era querer que a outra pessoa fosse feliz, mas que ela se apagasse por você, se anulasse por você.
Passou dias pensando naquela palavra: “negra”. Antes, ela era Martha ou Marthinha. Agora, depois de uma simples pergunta, ela passara a ser Martha e negra. A pele fora nomeada, a existência ganhara sobrenome.
Os filhos são uma invenção desatinada e sem sentido. Deveria haver alguém que nos dissesse com firmeza: não faça isso, não faça isso com a sua vida.
É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.
Viver passou a ser uma questão de evitar a dor a qualquer custo. Numa espécie de encarceramento voluntário, você vai sendo acossado dia após dia pelo medo do desconforto.
Pessoas brancas nunca pensam que um menino negro e pobre possa ter outros problemas além da fome e das drogas.
É assim que você vê a vida: um tumulto vital com o qual você tem de lidar apesar da cor da sua pele.
Essa é a perversidade do racismo. Porque ele simplesmente te impede de visitar os próprios infernos.
Não chame a atenção dos brancos. Não fale alto em certos lugares, as pessoas se assustam quando um rapaz negro fala alto. Não ande por muito tempo atrás de uma pessoa branca, na rua. Não faça nenhum tipo de movimento brusco quando um policial te abordar. Nunca saia sem documentos.
No sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco.
Eu sei que os negros são os que mais morrem por armas de fogo. Vemos isso a todo momento na TV, mas a gente nunca acha que isso vai acontecer com a gente. Você assiste àquelas reportagens com os parentes das vítimas, pessoas negras em bairros periféricos, chorando, reclamando da violência, do descaso das autoridades, e a gente fica triste e solta um que-merda-quando-isso-vai-acabar, e volta a comer seu prato de arroz com feijão. Então, de uma hora para outra, assim, sem mais nem menos, é a sua vez de chorar um morto. É a sua vez de conhecer a dor da perda.
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