MULHERES INSOLENTES



EU LI MULHERES INSOLENTES

Quando conheci o Luis e comecei a ler seu livro, logo me ocorreu que há uma semelhança entre nós: Somos duas pessoas que, de acordo com algumas interpretações mais radicais, saíram do seu “Lugar de fala”; o Luis em contos cujas personagens são mulheres que sofrem com o machismo estrutural, eu com um romance cuja personagem é uma mulher negra.
Terminei de ler o livro tomada por um sentimento indefinido; mistura de tristeza, pela realidade das personagens e situações abordadas nos contos, e encantamento, pela maneira de contar essas histórias e desvendar essa realidade à pessoa que está lendo.
Sou uma velhinha branquela que nem se atreve a entender a vida das pessoas negras que vivem nas comunidades, em constante tensão entre o abandono e a violência que vêm da polícia, do poder público e da sociedade estruturalmente racista, mas em alguns momentos o relato dessas vidas trouxe lágrimas aos meus olhos e acelerou em meu coração um sentimento de revolta.
Quem são as Mulheres Insolentes?
Melhor deixar que o próprio Luis explique, no texto que dá título ao livro:

“Mulheres insolentes são aquelas que colocam a sociedade machista e patriarcal em seu lugar. [...] Pois a liberdade é uma mulher. [...] Mulheres insolentes são aquelas que [...] recusam a violência do amor machista, amor de posse”.

Que as mulheres insolentes vivam! Que se reproduzam! Que sejam amadas e respeitadas como merecem!
Parabéns pelo seu livro, Luis Antônio Mendes!
E parabéns também a você, Surama Caggiano, pelas belas ilustrações!

MARIA MÃE SOLTEIRA
Luis Mendes

Se foi Deus que colocou um preconceituoso no poder, Deus não gosta de pobres. Deus é totalitário, o céu é um imenso latifúndio.
Se foi Deus que colocou um racista no poder, Deus não gosta de negros. Deus é senhor de engenho, o céu é uma imensa senzala celestial.
Se foi Deus que colocou um homofóbico no poder, Deus não gosta de gays. Esse Deus é homofóbico, o céu é um imenso armário onde pessoas são trancadas.
Se foi Deus que colocou um misógino no poder, Deus não gosta de mulheres. O céu é um imenso jardim de véus e burcas.
Um céu de bíceps, peitorais e panturrilha!
Se de fato foi Deus que o colocou no poder, esse Deus não gosta de gente. O céu é um paraíso de pessoas mortas.
Se for mesmo verdade que foi Deus que o colocou no poder, então Jesus Cristo não é seu filho.
Jesus Cristo é filho de Maria.
Maria como tantas outras pobres Marias.
Maria, Maria.
Maria da periferia
Maria mãe
Solteira.

TRECHOS QUE MARQUEI:

Mulheres notáveis

O Brasil cristão assusta, é um horror! Não queremos Pátria, queremos Mátria!

Alguém de Oxumaré, conhecido por respeitar a diversidade, dirigirá o ministério das relações exteriores!

Mulheres notáveis como Maria da Penha, Mães da Candelária, Marilena Chauí, mulheres camponesas, Maria da Conceição Tavares e as devotas de Nossa Senhora Aparecida. Seriam incentivados debates nas escolas sobre diversidade, machismo, racismo, homofobia, e outros temas transversais.

É bom de vez em quando sonhar sonhos altos.

Mulheres insolentes

Mulheres insolentes são aquelas que colocam a sociedade machista e patriarcal em seu lugar. Pois a liberdade é uma mulher.

Mulheres insolentes são aquelas que recusam a violência do amor machista, amor de posse.

Silêncio

Mas, como dizem, em briga de marido e mulher não se mete a colher, nem mesmo quando são mortas.

Ficou ali mesmo esperando a justiça dos homens e a justiça dos homens não tarda, não tarda em caçar e julgar as mulheres.

Balas e doces

Para os ricos há vários subterfúgios para escapar da cadeia, basta mostrar o dinheiro ou o sobrenome.

O churrasco da Benedita

- Muito bem, quem foi que começou a confusão no muquifo?
Benedita disse:
- Foi o Borsa!
- Quem?
- O Biroliro!
- Não entendi!
- O Bolsonaro!

O privilégio do homem

Não estou preparado para ser pai.

A estrutura da sociedade e os elevadores sociais dos prédios foram construídos foram construídos, cimentados e rebocados com racismo e a violência contra o povo preto.

Mulheres sempre tiveram papel secundário dentro da estrutura social e agora reforçado com as políticas e discursos misóginos do atual governo (bozobostal).

A sociedade acolhe aqueles que negam seus semelhantes. Paulo continuará fazendo a mesma coisa (abandonando a mulher que engravidou) e jamais será chamado de pai solteiro!

Bons tempos

Ricardo disse:
- Eu gosto do Bolsonaro!
- Que história é essa de “Eu gosto do Bolsonaro”?
- Eu gosto dele, uai!
Ele só conseguiu falar com ela no quarto, perguntando se deu comida ao cachorro.
- Não muda de assunto, Ricardo!
- Pretinha, faz dois anos!
- Exatamente! Dois anos dormindo de costas para o inimigo na cama! Dois anos com um homem que estou conhecendo agora! Dois anos dormindo com um homem que sonha com um país fascista! Que apoia a perseguição de religiões de matrizes africanas, a perseguição à ciência e que prega o negacionismo! Um homem que apoia o uso de alho no tratamento da Covid-19! Provavelmente você acende velas pro anjo da guarda do Daniel Silveira e pro doutor Jairzinho, né?
Não adiantou o Ricardo renunciar sua admiração pelo Bolsonaro gritando em público:
- Miliciano filho da puta! Miliciano filho da puta! Em frente ao Condomínio Vivendas da Barra.
Ricardo teve que sair de casa de mala e cuia.

Um conto sem fada

Primeiro a proliferação de igrejas neopentecostais e a perseguição das religiões de matrizes africanas. Depois os discursos de ódio à diversidade legitimados pelo novo governo (bozobostal). Com o apoio inclusive dos pretos.

Além das ameaças dos traficantes evangélicos, ainda tinha as constantes operações policiais.

Um conto para as putas

São tempos sombrios na cidade e no país. Tempos em que as luzes que iluminam são os clarões das fogueiras queimando direitos e reputações. Luzes que saem do cano de uma pistola para iluminar o corpo de mais um desgraçado na periferia.

No entanto, lá estão elas.

São as putas que não pariram aqueles que muitos juram serem seus filhos.

Numa sociedade machista, homofóbica, racista e evangelizada, ser puta, às vezes, é um necessário ato revolucionário e de rebeldia.

O mesmo rosto de Jeová

- Meu filho, Deus fez do homem a sua imagem e semelhança, está na bíblia!
- É mesmo pai? Por que então você bate na mãe, deus não gosta de mulher? Eu, quando crescer, terei que bater na minha mulher também? As minhas irmãs terão que apanhar de seus maridos para agradar deus?

O capitalismo se isenta da desgraça que produz, através da meritocracia o sistema culpa o indivíduo pelo seu fracasso pessoal.

Jeová continuará fazendo do homem a sua imagem e semelhança. E esses homens ainda continuarão espancando e matando as mulheres todos os dias.

Ano novo da velha Gertrudes

- Nona, essa é a Adriana, minha namorada!
A pupila da velha Gertrudes até dilatou ao olhar para o neto e lembrar do fim da aposentadoria, privatização da água, perda dos direitos trabalhistas.
- Nona? Nona? Nona é a puta que o pariu! Aqui é iya agba, avó em yoruba, fascistinha do caralho!

Estupro

Somos descendentes de estupros! Fomos gerados nas senzalas, nos canaviais e cafezais dessa terra através de estupros, cada pedaço de barro dessa terra foi banhado pelo sangue da violência contra as mulheres negras. Barro ensanguentado pelo ventre e misturado ao sêmen infame e nojento de seus algozes estupradores!

Mulheres negras, somos sim descendentes desses estupros. Vivemos sobre o espectro da cultura do estupro.

A enfermeira

A violência, como todos sabem, é intrínseca na sociedade baseada na estrutura colonial, onde até o ato de nascer é resultado de uma violência cometida. A violência do estupro!

O cobrador de aluguel

Vai até a janela para conferir o barranco que ameaça desmoronar. A defesa civil disse que o lugar é perigoso. Para quem é pobre e negro qualquer lugar é perigoso. Desde as vielas estreitas das favelas até as alamedas arborizadas dos bairros nobres.

Despejo de um conto

A elite sempre cumpre ordem de reintegração de posse, desde a Lei da Terra de 1850!

Mulheres que incendeiam

Para as mulheres negras, a guerra continua mesmo depois de mortas. A guerra pela memória, a guerra pela honra. São Luizas Mahins, Dandara e Nzinga. É Marielle! Mulheres que mechem e remexem na batucada da história.

O Lunga e a Yansan da professora

A professora ficou espantada com a escola, a sala de aula parecia vir direto de uma novela de televisão, tudo estava em seu lugar, até o salário dos professores! Os alunos uniformizados como nos velhos tempos de Getúlio Vargas, a grande maioria dos alunos branquinhos da Silva. Menos o Joaquim, um aluno preto que sentava no fundo da classe. A escola era tradicional.

E assim a professora percebeu que a escola era um campo minado, tinha que tomar cuidado, tatear o terreno para que nenhuma de suas aulas explodisse na sala da diretoria, por alguma reclamação de conteúdo por alguma reclamação de conteúdo por parte dos pais dos alunos. Ou pior ainda, vai que o filho da alguém ali seja filho ou filha de algum general maluco que está no governo! Era uma escola pública e tradicional do bairro. E você, Joaquim, o que você quer ser quando crescer?
- Eu quero ser o Lunga e morar em Bacurau, professora!

O namoro da filha do Tonhão

Ele admitia tudo, menos um bolsonarista na família! Pode vir malufista, cirista, até um psdbista! Um democrata dá até pra tolerar, desde que fique quieto no canto e nada de falar do ACM! Bolsonarista não.

Tampa de panela

E a desculpa de que dois ônibus quebraram na vinda do trabalho não convence nem o general Pazuello.

Maria, la Boétie e Exu

A sociedade nasceu organizada e estruturada no patriarcado e no discurso da servidão. Uma sociedade sob o signo do machismo e do medo de se rebelar. Um medo construído aos poucos e reforçado pelas alegorias de uma democracia onde o trabalhador passa a ser colaborador do capital!

- E por fim, deixo uma dica: Se você pegar esse livro, não deixe de ler o conto A vaca vermelha.

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