O ÚLTIMO DIA DE UM CONDENADO
Passagem 1: Alguma vez uma sentença de morte já se pronunciou que não fosse à meia-noite, entre archotes, numa sala sombria, e numa noite fria de chuva e de inverno? {XXXXXXXXXX}
Passagem 2:
E o juiz-presidente leu minha sentença. – Condenado à morte! {XXXXXXXXXX}
Passagem 3:
Até a sentença de morte, eu me sentia respirar, palpitar, viver no mesmo meio que os outros homens; agora, distinguia claramente como uma barreira a me separar do mundo. [...] Aquele céu puro, aquela linda flor, tudo ficou branco e pálido, da cor de uma mortalha. {XXXXXXXXXX}
Passagem 4:
“Os homens são todos condenados à morte com sursis indefinidos”. O que haveria, assim, de tão diferente em minha situação? Desde a hora em que minha sentença foi pronunciada, quantos dos que se preparavam para uma longa vida morreram! [...] Além disso, o que me oferece a vida para que eu lamente tanto ser privado dela? {XXXXXXXXXX}
Passagem 5:
Nos primeiros dias trataram-me com uma doçura que me era horrível. As atenções de um carcereiro cheiram a cadafalso. {XXXXXXXXXX}
Passagem 6:
Ali converso com os detentos: é preciso conversar. São boa gente, os miseráveis. [...] Ensinam-me a falar gírias, a “malhar o ferro”, como dizem. É toda uma língua enxertada na língua geral como uma espécie de excrescência medonha, como uma verruga. {XXXXXXXXXX}
Passagem 7:
Será que alguma vez refletiram, esses infelizes, sobre a lenta sucessão de torturas que a fórmula expeditiva de uma sentença de morte encerra? [...] Julgam-se triunfantes de poderem matar sem quase fazer sofrer o corpo. Mas ora! É exatamente disso que se trata! O que é a dor física comparada à dor moral? {XXXXXXXXXX}
Passagem 8:
Que salve infelizes, inocentes ou culpados, da agonia a que estou condenado, por quê? De que adianta? Que importa? [...] Será que pude realmente pensar tais loucuras? Lançar abaixo o cadafalso após ter subido nele? {XXXXXXXXXX}
Passagem 9:
Deixo uma mãe, deixo uma mulher, deixo uma filha. [...] Admito que sou justamente punido; mas essas inocentes, o que fizeram? Não importa; estão desonradas, arruinadas. É a justiça. {XXXXXXXXXX}
Passagem 10:
Essas celas são tudo o que resta do antigo castelo de Bicêtre tal como foi construído no século XV pelo cardeal de Winchester, o mesmo que mandou queimar Joana d’Arc. {XXXXXXXXXX}
Passagem 11:
Aproximei a lamparina das quatro paredes da minha cela. Estão cobertas de escritos, desenhos, figuras bizarras, nomes que se misturam e se apagam. [...] À altura da minha cabeceira há dois corações inflamados, atravessados por uma flecha, e acima Amor por toda a vida. O infeliz não assumia um longo compromisso. [...] Mais corações inflamados, com a seguinte inscrição, característica numa prisão: Amo e adoro Mathieu Danvin. Jacques. [...] Um barrete frígio esculpido bastante fundo na pedra, e estes dizeres abaixo: Bories. A República. [...] Pobre rapaz! Que terríveis se tornam suas pretensões políticas! [...] E eu que me queixava, eu, miserável, que cometi um verdadeiro crime. [...] Traçada a giz no canto da parede, uma imagem assustadora, a figura do cadafalso. {XXXXXXXXXX}
Passagem 12:
A porta do túmulo não se abre do lado de dentro. {XXXXXXXXXX}
Passagem 13:
Por mais que a sociedade estivesse ali, representada pelos carcereiros e pelos curiosos assustados, o crime a escarnecia frontalmente, e fazia desse castigo horrível uma festa de família. [...] Uma vez atado à corrente, não se é mais que uma fração daquele todo medonho que chamam o cordão, e que se move como um único homem. [...] Eles começavam sua viagem de vinte e cinco dias, carregados nas mesmas carroças, vestindo a mesma roupa sob o sol a pino de julho ou sob a chuva fria de novembro. Dir-se-ia que os homens querem compartilhar com o céu seu ofício de carrascos.
[Ele está falando dos condenados a trabalhos forçados] {XXXXXXXXXX}
Passagem 14:
O que me dizia então o advogado? Trabalhos forçados! Ah, sim, mil vezes a morte! Melhor o cadafalso do que as galés, melhor o nada do que o inferno, melhor entregar meu pescoço à guilhotina do que à golilha! Trabalhos forçados, ó céus!
[golilha: argola de ferro fixada num poste ou pelourinho, à qual se prendiam criminosos ou escravos pelo pescoço] {XXXXXXXXXX}
Passagem 15:
Os que nos curam podem nos curar de uma febre, mas não de uma sentença de morte. {XXXXXXXXXX}
Passagem 16:
O recurso é uma corda com que nos suspendem acima do abismo e que se ouve estalar a cada instante, até romper-se. É como se o cutelo da guilhotina levasse seis semanas para cair. {XXXXXXXXXX}
Passagem 17:
Ah! Que coisa infame é uma prisão! Nela há um veneno que suja tudo. {XXXXXXXXXX}
Passagem 18:
A prisão é uma espécie de ser horrível, completo, indivisível, metade construção, metade homem. {XXXXXXXXXX}
Passagem 19:
Serei uma coisa imunda que colocarão na mesa fria dos anfiteatros; uma cabeça da qual farão um molde, de um lado, um tronco a dissecar, de outro; e o resto será posto num caixão e levado ao cemitério de Clamart. Eis o que farão de teu pai, esses homens. Nenhum dos quais me odeia [...] Vão me matar. Compreende isso, Marie? Matar-me a sangue frio, em cerimônia, para o bem de todos! [...] Miserável! Que crime cometi e que crime faço a sociedade cometer! {XXXXXXXXXX}
Passagem 20:
Dizem que não é nada, que não se sofre, que é um final brando, que a morte desse jeito é muito simplificada. Oh! Mas o que é então essa agonia de seis semanas e esse estertor de todo um dia? O que são as angústias dessa jornada irreparável, que passa tão lentamente e tão depressa? O que é essa escalada de tortura que termina no cadafalso? [...] Mas eles têm certeza de que não se sofre? Quem lhes disse? Nunca se soube de uma cabeça cortada que tenha se erguido sangrenta do cesto e clamado ao povo: Isto não dói! [...] Robespierre? Luís XVI?... Não, nada! Menos que um minuto, menos que um segundo, e está feito. Será que alguma vez se puseram, apenas em pensamento, no lugar de quem está lá, no momento em que o pesado cutelo cai, rompe os nervos e as vértebras?... {XXXXXXXXXX}

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