UM DEFEITO DE COR

Passagem 1: Uma vez li um romance bastante apalermado, chamado Os três príncipes de Serendip: Serendipidade então passou a ser usada para descrever aquela situação em que descobrimos ou encontramos alguma coisa enquanto estávamos procurando outra, mas para a qual já tínhamos que estar, digamos, preparados. Um defeito de cor é fruto da serendipidade. Página 12 {XXXXXXXXXX} Passagem 2: Depois, pelo verde do mato baixo e ralo que dava chão para as palmeiras, [...] nosso amigo disse serem de um lugar que se chamava estrangeiro. Página 40 {XXXXXXXXXX} Passagem 3: Deram as ordens em várias línguas para que todos pudessem entender, e também na língua que eu já tinha percebido ser a que eles mais gostavam, a das lanças e dos chicotes cantando na pele dos que se demoravam deitados ou sentados, ou porque ainda tinham sono, ou estavam doentes, ou se sentiam cansados e fracos. Página 55 {XXXXXXXXXX} Passagem 4: Comecei a aprender que um deus pode ser chamado por vários nomes. [...] Para elas era Alá, mas para outros era Olorum, mas também poderia ser Deus ou Zambi, por exemplo. Todos eles tinham criado o mar, as estrelas, o fogo, as pessoas e até mesmo o estrangeiro, que era para onde a Aja e a Jamila pensavam estar indo se encontrar com Ele. Página 58 {XXXXXXXXXX} Passagem 5: Minha avó estava triste, ainda mais triste do que no dia em que desaprendeu a sorrir. Página 58 {XXXXXXXXXX} Passagem 6: Cada uma de nós era só silêncio. Silêncio que mais parecia um pano escuro, grosso e sujo. Página 59 {XXXXXXXXXX} Passagem 7: Minha mãe tinha voz bonita, [...] que foi embora navegando no riozinho de sangue que se juntou ao riozinho do Kokumo. [...] Esse foi o cheiro que, apesar de disperso no meio dos outros, me acompanhou durante toda a viagem desde o armazém: o cheiro de sangue. Página 60 {XXXXXXXXXX} Passagem 8: O calor e o cheiro forte de suor e de excrementos misturado ao cheiro da morte, [...] não ainda o do corpo morto, mas da morte em si, [...] faziam tudo ficar mais quieto. [...] Às vezes alguém puxava um canto triste, um ou outro tentava acompanhar durante alguns versos, mas não ia além disso. [...] A dor cantada era própria demais, única demais para ter acompanhamento, e dividir a dor alheia parecia falta de respeito. Página 65 {XXXXXXXXXX} Passagem 9: Às vezes eu olhava para ela e a pegava sorrindo, abrindo a boca para dizer palavras apenas para dentro dela mesma, [...] entregue à moleza que nos fazia estar no presente e no passado ao mesmo tempo, como se desta maneira pudéssemos evitar o futuro incerto, que ninguém sabia onde ou como seria. Página 67 {XXXXXXXXXX} Passagem 10: Eu preferia chegar daquele jeito mesmo, bem suja para que os brancos não quisessem nos fazer de carneiros. [...] Carneiros de verdade eram limpos. [...] E também para que não nos quisessem de presente, nem a mim nem à Taiwo, pois eu não gostava da ideia de dar sorte para gente que tratava gente pior do que se trata carneiro. Página 68 {XXXXXXXXXX} Passagem 11: Escolheram alguns homens fortes e fizeram com que eles tirassem dali mais de dez pessoas, todas muito doentes, que depois soubemos terem sido jogadas ao mar. Página 69 {XXXXXXXXXX} Passagem 12: Nem eram todos brancos, os guardas. Alguns eram até mais pretos do que eu, ou a minha avó e a Taiwo, mas agiam como se não fossem, como se trabalhar ao lado de brancos mudasse a cor da pele deles e os fizesse melhores do que nós. Página 69 {XXXXXXXXXX} Passagem13: Contou que tinham decepado a cabeça de um homem na frente dela, [...] depois que os agarraram em Ketu mandaram que ele se ajoelhasse, [...] e com um só golpe arrancaram a cabeça dele. Página 71 {XXXXXXXXXX} Passagem 14: Tentei me levantar e caí várias vezes antes de conseguir me manter de pé, não só por causa da fraqueza, mas porque as pernas pareciam ter se desacostumado do peso do corpo, sempre deitado. Página 73 {XXXXXXXXXX} Passagem 15: Algumas horas depois de terem levado a Taiwo, como se estivesse apenas esperando que ela partisse primeiro, a minha avó disse que estava se sentindo fraca. [...] Minha avó morreu. Página 78 {XXXXXXXXXX} Passagem 16: Não sei dizer o que senti, se tristeza, se felicidade por continuar viva ou se medo. [...] Mas a pior de todas as sensações, mesmo não sabendo direito o que significava, era a de ser um navio perdido no mar, e não a de estar dentro de um. [...] Não estava mais na minha terra, não tinha mais a minha família, estava indo para um lugar que não conhecia. [...] Poucos dias depois que jogaram a minha avó ao mar, avisaram que estávamos chegando. Página 79 {XXXXXXXXXX} Passagem 17: Estavam nos deixando em uma ilha chamada Ilha dos Frades, onde ficaríamos por um tempo até terem certeza de que mais ninguém adoeceria ou morreria. [...] Eu me senti quase feliz ao avistar a Ilha dos Frades. Uma felicidade que talvez pudesse ter sido chamada de alívio, [...] como aconteceria várias outras vezes em minha vida. [...] Tive vontade de nascer de novo naquele lugar. Nascer de novo e deixar na vida passada o riozinho de sangue do Kokumo e da minha mãe, os meus olhos nos olhos cegos da Taiwo, o sono da minha avó. Página 80 {XXXXXXXXXX} Passagem 18: Disseram que antes teríamos que esperar um padre que viria nos batizar, para que não pisássemos em terras do Brasil com a alma pagã. Eu não sabia o que era alma pagã, mas já tinha sido batizada em África, já tinha recebido um nome e não queria trocá-lo. [...] Saí correndo pelo meio dos guardas. Antes que algum deles conseguisse me deter, pulei no mar. [...] Ir para a ilha e fugir do padre era exatamente o que eu queria, desembarcar usando o meu nome, o nome que a minha avó e a minha mãe tinham me dado. Página 81 {XXXXXXXXXX} Passagem 19: Fomos levados para a cidade que víamos ao longe e que parecia ser muito bonita. Página 84 {XXXXXXXXXX} Passagem 20: [As pessoas que] estavam naquele armazém provavelmente tinham ido do navio para lá, sem passar pelo período de descanso. Ou estavam lá havia muito tempo, à espera de alguém que se interessasse por eles, [...] tamanho descaso fazia com que se tornassem peças que ninguém nunca ia querer. [...] A única coisa que se podia perceber naqueles pretos era o ódio nos olhos de alguns deles. Página 94 {XXXXXXXXXX} Passagem 21: Começaram a chegar homens dos mais diferentes tipos, sabedores da notícia de que havia peças novas. [...] Era desonroso ficar no armazém por muito tempo, [...] dia após dia, sendo preteridos e humilhados, rebaixados a um ponto em que não serviam nem mais para carneiros. Página 96 {XXXXXXXXXX} Passagem 22: Logo nos amarraram, eu, a cozinheira e o pescador, e nos levaram para perto da mesa. [...] Para os brancos fiquei sendo Luísa, Luísa Gama, mas sempre me considerei Kehinde. Página 99 {XXXXXXXXXX} Passagem 23:A maior das ilhas da Baía de Todos os Santos, que depois eu soube se chamar Itaparica. [...] A casa ficava a poucos metros da praia e era das maiores que eu já tinha visto, e a mais bonita. Página 100 {XXXXXXXXXX} Passagem 24: Não era difícil entender o português, eu apenas ainda não conseguia falar. [...] Falou em iorubá que eu tinha que aprender logo o português, [...] que se chamava Esméria. E que também era para eu ficar com ela na cozinha. [...] Em um canto havia um enorme fogão a lenha onde a Esméria trabalhava. [...] Outra preta, mais nova que a Esméria e chamada Firmina, lavava uma pilha de coisas de cozinha. [...] Quando o jantar ficou pronto, um preto muito bem-vestido apareceu para pegar as travessas. O preto se chamava Sebastião e era quase branco no seu jeito de andar e de falar, [...] também era o caso da Antônia, que apareceu para ajudá-lo. [...] Depois do jantar, foram os dois também que carregaram tudo de volta para a cozinha. [...] Esméria me deu um pouco do que tinha sobrado e disse para eu comer rápido e não contar a ninguém. [...] Esméria me levou para a senzala pequena, onde também dormiam todos que eu tinha conhecido. [...] Esméria riu quando perguntei sobre aquela história de virar carneiro, [...] ela me explicou o que era um escravo, não sei se entendi direito. [...] Até fiquei feliz por saber que os brancos não nos compravam porque apreciavam a nossa carne. Página 102 {XXXXXXXXXX} Passagem 25: Seria escrava de companhia da sinhazinha Maria Clara, a filha do sinhô José Carlos. Esméria recomendou que eu me comportasse bem, nunca dizendo nada que não fosse perguntado, nunca fazendo o que não fosse pedido e nunca desobedecendo ou questionando, mesmo quando achasse que uma ordem estava errada ou era injusta. Página 103 {XXXXXXXXXX} Passagem 26: Desejando nunca ter deixado Savalu, que não era tão bonita quanto a Ilha dos Frades ou a Ilha de Itaparica, mas era onde eu tinha nascido e conhecia muita gente, onde tinha a minha mãe, a minha avó, a Taiwo e o Kokumo. Página 106 {XXXXXXXXXX} Passagem 27: A sinhazinha Maria Clara, em meio a almofadas e bonecas, brincava sobre uma esteira feita de panos coloridos. [...] Não só a achei bonita, mas também senti medo ou um certo estranhamento quando percebi os olhos, que me pareceram de vidro ou de água do mar, pois nunca tinha visto gente com olhos daquela cor. Página 106 {XXXXXXXXXX} Passagem 28: A sinhazinha me olhou com certo interesse, mas não retribuiu meu sorriso. [...] Esméria disse que eu seria para ela, um brinquedo, e era como tal que eu deveria agir, ficar quieta e esperar que ela quisesse brincar comigo, do que ela quisesse. Página 107 {XXXXXXXXXX} Passagem 29: As outras coisas chegariam cada qual a seu tempo, como tinha que ser naquele lugar onde fingíamos cultuar os santos dos brancos. Página 113 {XXXXXXXXXX} Passagem 30: Durante alguns dias me achei feia, como a sinhá sempre dizia que todos os pretos eram. Página 116 {XXXXXXXXXX} Passagem 31: De vez em quando a sinhazinha me pedia para falar sobre os membros dos homens, como é que eles faziam para ter aquilo, até que tamanho cresciam, se serviam para outras coisas além de fazer xixi. A sinhazinha era dois anos mais velha do que eu, mas não sabia nada daquilo, que eu também preferia não ter sabido tão cedo, pelo menos, não nas circunstâncias do acontecido. Página 120 {XXXXXXXXXX} Passagem 32: A Esméria disse que não, que ninguém sabia ler ou escrever, e a sinhá respondeu que era o que esperava mesmo, que cabeça de preto mal dava para aprender a falar direito, quanto mais para ler e escrever. Página 123 {XXXXXXXXXX} Passagem 33: A sinhá Ana Felipa disse que devíamos nos alegrar porque os tempos tinham mudado muito e os monogramas eram bordados nas roupas, e não mais na pele dos escravos. [...] Nenhum de nós também tinha marcas de varíola, embora essa doença não soubesse se a pessoa era branca ou preta, atacava de qualquer jeito, qualquer um, de qualquer idade. [...] Devíamos também pedir a bênção, provando que não éramos mais uns pagãos selvagens. Página 128 {XXXXXXXXXX} Passagem 34: Sentada na areia, fiquei olhando o mar e chorando todas aquelas mortes que pareciam estar dentro de mim, ocupando tanto espaço que não me deixavam sentir mais nada. Página 136 {XXXXXXXXXX} Passagem 35: Rosa Mina cuidava dela na qualidade de tia, pois era irmã de santo da sua falecida mãe. [...] Respeitavam muito isso, a irmandade nos santos, já que, por vários motivos, os parentes de verdade quase nunca conseguiam ficar juntos. Página 161 {XXXXXXXXXX} Passagem 36: Era também para isso, para que não cedessem às tentações da carne, ou para que se arrependessem depois de terem cedido, que muitas moças iam para os conventos. [...] Algumas tinham vida dupla, recebendo durante o dia os pretendentes fidalgos, principalmente os portugueses aprovados pelas freiras, fingindo-se de castas e prendadas, aptas ao bom casamento, e à noite se entregavam aos amores escolhidos, [...] pobres, mas donos dos seus corações. Página 218 {XXXXXXXXXX} Passagem 37: A sinhazinha achava que a separação de Brasil e Portugal se daria em breve, opinião que era compartilhada por seu pai e pelas visitas. [...] Falaram sobre os conflitos que tinham se transformado em sangrentas batalhas por todo o país, inclusive no Recôncavo e na capital. Página 219 {XXXXXXXXXX} Passagem 38: O sinhô José Carlos mandou que os homens do Cipriano redobrassem a vigilância e, precisando, mandassem avisar, que ele conseguiria reforços. Mandou também que o Cipriano explicasse que nada tinha mudado para os escravos, que os pretos não eram um país, que não pertenciam de fato a nenhum país e, quando muito, alguns poucos poderiam ser considerados gente, quanto mais falar em liberdade. Página 220 {XXXXXXXXXX} Passagem 39: Eu tinha ficado comovida com a atitude do Lourenço, que queria me dar uma família livre. Página 220 {XXXXXXXXXX} Passagem 40: Naquele momento, e durante toda a vida, tive que lidar com duas sensações bastante ruins, a de não pertencer a lugar algum e o medo de me unir a alguém que depois partiria por um motivo qualquer. Página 220 {XXXXXXXXXX} Passagem 41: A Bahia só conquistou a liberdade quase um ano depois, tempo em que esteve em guerra com as tropas portuguesas e com o desejo dos portugueses de não abandonarem aquela terra bonita e festiva de que tanto gostavam. Página 220 Passagem 42: Comecei a achar que não tinha sentimentos bastante fortes para ser feliz com ele. Eu nunca seria capaz de sentir, caso o perdesse, o que aquela freira das cartas sentiu pelo seu amado. [...] Esméria, que me chamaria de ingrata quando eu dissesse que gostaria de fugir com o Lourenço, mas não de viver com ele para sempre. Eu gostaria de fugir com ele, e depois fugir dele. Página 221 {XXXXXXXXXX} Passagem 43: Só então, livre de todos os pecados, o moribundo pode receber a hóstia, para que a alma suba aos céus acompanhada do corpo e do sangue do Cristo dos brancos. [...] para um católico, é a hora na qual acontece uma grande guerra e a alma precisa ser defendida como se estivesse em um tribunal. Os padres são os instrutores militares e os advogados, capazes de salvar almas que tinham pecado uma vida inteira, ou então, caso não fossem bons defensores, de arruinar o futuro de almas que podiam ser consideradas quase santas na Terra. [...] Como instrutor militar, o padre se vale dos sacramentos, e como advogado usa as palavras, porque não basta afastar o demônio, também é preciso fazer com que a alma seja aceita por Deus. Página 239 {XXXXXXXXXX} Passagem 44: Eu nunca soube quem teve a difícil tarefa de interceder pelo sinhô José Carlos, mas não deve ter sido fácil sem o uso de omissões e mentiras frente Àquele que tudo vê. Página 240 {XXXXXXXXXX} Passagem 45: O Fatumbi contou que tinha escrito quase duzentos convites para a cerimônia [velório e enterro]. Pedi para ver e ele disse que eu podia ficar com um, que trago guardado até hoje, não por gosto, mas para confirmar a morte daquele monstro. Página 241 {XXXXXXXXXX} Passagem 46: Olhava para o Banjokô sugando o meu peito e achava que ele era um brinquedo sério demais, com o qual eu sempre teria mais responsabilidades que diversão. Página 279 {XXXXXXXXXX} Passagem 47: Fiquei sabendo que os ingleses eram contra a escravatura. Não porque fossem bonzinhos e achassem que também éramos gente, como de fato faziam pensar nos tratando melhor que os senhores portugueses ou brasileiros, mas porque tinham interesse em que fôssemos todos libertos. Página 294 {XXXXXXXXXX} Passagem 48: Foi naquela casa que fiquei sabendo que não havia mais escravos nem em Inglaterra nem nos seus domínios, que todas as pessoas eram livres para morar e trabalhar onde quisessem, recebendo dinheiro. Era isso que os ingleses mais queriam, que todos tivessem dinheiro para comprar as mercadorias produzidas nas grandes fábricas construídas em Inglaterra. Página 295 {XXXXXXXXXX} Passagem 49: Pensavam não apenas em conseguir a própria liberdade, mas a de todos, sabendo que mais valia a inteligência do que a força. Mesmo porque inteligência era algo que os senhores de escravos não imaginavam que fôssemos capazes de possuir. Página 319 {XXXXXXXXXX} Passagem 50: Os comerciantes preferiam os mulatos aos pretos, achando que a mistura de sangue branco fazia deles pessoas mais capazes para os serviços que exigiam inteligência. E sempre homens. Página 324 {XXXXXXXXXX} Passagem 51: Disse que até conhecer o padre Heinz e a dona Maria Augusta, tinha vontade de matar todos os brancos que encontrava pela frente, porque era exatamente isso que eles faziam com os pretos. Quando não matavam de uma vez, matavam aos poucos, com trabalho, humilhação e castigo, além de tristeza. Página 375 {XXXXXXXXXX} Passagem 52: Jacinto se lembrava do nome da Zeferina porque ela se tornou um exemplo para todos eles, enfrentando os soldados armados apenas usando arco e flecha, depois de ter gritado o tempo inteiro durante a luta, animando os guerreiros e não deixando que se dispersassem. Página 377 {XXXXXXXXXX} Passagem 53: Ele [o padre Heinz] disse que fazia questão de ajudar os pretos e que, embora não concordasse com a fuga, achava que eles tinham todo o direito de lutar pelo que nunca deveria ser negado a um ser humano, a liberdade. Página 385 {XXXXXXXXXX} Passagem 54: Essa história contada pela Adeola mostra bem a mistura das religiões, que valia mais entre os pretos, da África ou da terra, já que os brancos agiam como donos de tudo, inclusive da única crença verdadeira. Página 386 {XXXXXXXXXX} Passag{XXXXXXXXXX}em 55: Dentro das casas, e de portas fechadas, também era grande o número de sinhás que apelavam para as mandingas das pretas, prometendo cortar as línguas delas se comentassem com alguém. [...] As pretas riam ao contar tais histórias, pois na maioria das vezes enganavam as sinhás, fazendo a mandinga errada ou então dizendo que precisavam de muito dinheiro para comprar determinados produtos de África, bastante caros em São Salvador. Página 387 {XXXXXXXXXX} Passagem 56: Havia muitos mendigos pelas ruas da cidade de São Salvador, muitos brancos que não conseguiam colocação que achassem digna deles, o que significava um emprego público, e preferiam mendigar a fazer o trabalho braçal destinado aos pretos. Página 390 {XXXXXXXXXX} Passagem 57: Os pretos já não eram mais castigados ali, por causa de um novo pelourinho construído no Campo da Pólvora ou no Campo do Barbalho, já não me lembro, mais afastado e discreto. Mas eram revoltantes as histórias que contavam sobre aquele lugar, sobre como os castigos dos pretos eram transformados em espetáculos assistidos por uma plateia que aplaudia os carrascos mais cruéis e pedia mais chibatadas quando achava que o preto ainda aguentava, mesmo que já tivesse cumprido a pena. Página 411 {XXXXXXXXXX} Passagem 58: Com a influência do padre Notório, ela logo conseguiria para ele uma dispensa do defeito de cor, que não permitia que os pretos, pardos e mulatos exercessem qualquer cargo importante na religião, no governo ou na política. Página 448 {XXXXXXXXXX} Passagem 59: Conheci o convento onde a sinhazinha tinha estudado e onde as freiras se vestiam de maneira nada modesta, ostentando joias muito ricas. Página 483 {XXXXXXXXXX} Passagem 60: A vestimenta delas deixava à mostra parte do peito e das costas. [...] As freiras tinham um criadouro com guarás, garças, tucanos, araras, periquitos, colibris e muitos outros pássaros dos trópicos, desplumados de tempos em tempos, quando então eram vestidos com peças de tecido até que a plumagem crescesse novamente. A princípio, as penas eram usadas nas flores que enfeitavam os altares da igreja, mas os enfeites começaram a fazer tanto sucesso que as freiras transformaram aquilo em um negócio bastante lucrativo. Página 484 {XXXXXXXXXX} Passagem 61: Ela nos apresentou à Mariahmo, que estava sendo preparada para ser a segunda esposa do alufá Ali e substituí-la nas obrigações durante o tempo em que permanecia impura com as regras, ou pejada [grávida], ou dando o peito. [...] e a Khadija não parecia preocupada. Muito pelo contrário, ela estava feliz por alguém ajudá-la a cuidar do marido. [...] a Euá agradeceu muito o enfeite de flores de penas que eu tinha levado para ela, feito pelas freiras do Soledade. Página 488 {XXXXXXXXXX} Passagem 62: O Fatumbi disse que, quando o cachorro é novo, antes de ter contato com outros animais, a umidade que ele solta pelas narinas é esfregada nas mãos e no rosto dos sacerdotes, fazendo com que tenham mais facilidade nas adivinhações. Depois de velho, já dado ao vício e à procriação, o cachorro é considerado impuro e nem mesmo pode entrar nas casas dos muçurumins [negros maometanos; malês]. Página 490 {XXXXXXXXXX} Passagem 63: Perguntei se dormiam mesmo juntos e ele respondeu que sim, havia mais de três anos, e que se eu desse uma nova chance, prometiam não incomodar. Sem saber o que fazer, pedi a opinião da Esméria, que me surpreendeu citando um ditado iorubá do qual não me lembro as palavras corretas, mas elas diziam que nas coisas entre marido e mulher ninguém dá palpite. Entendi aquilo como se ela não pudesse julgar o tipo de relacionamento dos dois, nem ela nem ninguém. Página 500 {XXXXXXXXXX} Passagem 64: Eram muitos os casos em que os senhores proibiam que as escravas cuidassem dos filhos, achando que elas trabalhavam menos por causa dessa preocupação. As crianças acabavam morrendo de fome por não terem quem cuidasse delas enquanto as mães trabalhavam, quando não eram maltratadas pelos senhores ou feitores, que se enervavam com o choro das que ainda tinham forças para tanto. As mães também eram impedidas de dar o peito, porque os senhores achavam que isso as deixava mais fracas para o trabalho pesado. Não havendo nenhum filho de branco para alimentar, até misturavam ervas na comida delas para que o leite secasse mais depressa. Página 548 {XXXXXXXXXX} Passagem 65: O príncipe regente fugiu de Portugal com a corte por causa dos franceses e foi morar em São Sebastião, no ano de um mil oitocentos e oito. Página 572 [Na época, aparentemente, o lugar que recebeu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro era mais conhecido como São Sebastião. Hoje usamos Rio de Janeiro, e muita gente nem sabe que o nome já foi bem maior] {XXXXXXXXXX} Passagem 66: Acredito que, se cada pessoa cuidasse com devoção das que estão próximas a ela, tudo seria melhor. Página 582 {XXXXXXXXXX} Passagem 67: Ela tinha medo de perdê-lo por não ter a mesma fé que o levava a acreditar que em Deus nada de ruim aconteceria. Página 583 {XXXXXXXXXX} Passagem 68: Fatumbi me convidou para a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia. [...]era uma bonita construção feita de mármore que ficava na cidade baixa. [...] Sabíamos apenas que também era dedicada a Santa Bárbara, que os escravos fingiam ser Iemanjá. Página 637 {XXXXXXXXXX} Passagem 69: Tomamos juntos o desjejum e fomos para o quarto, onde nos demos um ao outro e ficamos conversando. [...] estava mais triste do que jamais tinha estado, e, ao mesmo tempo que eu compartilhava a tristeza dele, sentia uma alegria que era só minha, como se o sofrimento dele vingasse o meu. Página 641 {XXXXXXXXXX} Passagem 70: Tinham uma consideração muito especial pelo Cristo do Bonfim, ou Oxalá. [...] Era grande o número de mulheres esperando para começar a lavagem e de pessoas para assistir [...] Aquela festa tinha começado quando os escravos eram mandados para lavar a igreja para a festa dos brancos, algum tempo antes do dia consagrado ao Senhor do Bonfim, para que tudo estivesse impecavelmente limpo e cheiroso para a missa. Página 647 {XXXXXXXXXX} Passagem 71: Percebi que a proximidade com eles era outra coisa, não tinha nenhum laço de fé religiosa, mas de fé na liberdade e na justiça. Essas duas palavras, junto com igualdade, eram as preferidas do Fatumbi e de seus amigos, e acho que não há quem não goste delas. Página 653 {XXXXXXXXXX} Passagem 72: O colorido das comidas era de lambuzar os olhos. Página 654 {XXXXXXXXXX} Passagem 73: Comecei a me interessar mais pela religião dos pretos da Bahia, que se reuniam em diversos locais, principalmente em torno das confrarias. A mais antiga delas era a Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora das Portas do Carmo, com sede na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Pelourinho. [...] Os daomeanos jejes, como eu, costumavam se reunir na Igreja do Corpo Santo, na cidade baixa [...] Havia também a Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte, só de mulheres, a maioria de Ketu, com sede na igreja da Barroquinha [...] essas de que falei se tornaram grandes e importantes porque estavam ligadas a alguma igreja, com a permissão dos brancos. Página 660 {XXXXXXXXXX} Passagem 74: Mesmo os mulatos que ainda eram ou tinham sido escravos se achavam superiores aos escravos pretos ou crioulos, apesar de viverem em condições semelhantes. Página 661 {XXXXXXXXXX} Passagem 75: Batuques eram proibidos na cidade, mas a polícia quase sempre tolerava alguns. [...] Na Praça da Graça e na do Barbalho, aos domingos, podia-se fazer batuque até a hora da ave-maria. [...] Havia inclusive alguns senhores que não se importavam com batuques em frente às suas casas, e até estimulavam os pretos a fazê-los, desafiando a polícia. Queriam mostrar a quantidade de escravos que possuíam, o que os tornava importantes, e também acalmar os pretos, deixando que eles se divertissem um pouco. Página 664 {XXXXXXXXXX} Passagem 76: Na Bahia eram louvados os orixás dos nagôs e dos iorubás, os voduns [espíritos ou divindades centrais na religião tradicional da África Ocidental] dos fons e de todos os povos do Daomé, e os nkisis dos bantos do Congo e de Angola. Página 665 {XXXXXXXXXX} Passagem 77: Percebi isso quando conheci melhor os frequentadores dos batuques, única diversão que tinham, única alegria. Eu tinha tantas, e além disso tinha uma casa, uma família e fartura de comida, o que era bastante raro entre os pretos. Página 667 {XXXXXXXXXX} Passagem 78: Eu sabia que muita gente de santo também desprezava os muçurumins, a quem chamavam de malês. Página 675 [Aparentemente a palavra “malês” era pejorativa] {XXXXXXXXXX} Passagem 79: Havia túneis ligando subterrâneos de conventos de padres e de freiras, onde eles se encontravam para praticar o que estavam proibidos de fazer em público. Página 705 {XXXXXXXXXX} Passagem 80: Eles diziam que os pretos queriam roubar o Brasil dos brasileiros, profanar os templos católicos e incendiar as propriedades, o que em parte era verdade, mas também era verdade que vinham fazendo isso com os pretos havia muitos anos. Eles nos tiravam do nosso país e das nossas propriedades, faziam nossos batismos na religião deles, mudavam nossos nomes e diziam que precisávamos honrar outros deuses. Página 718 {XXXXXXXXXX} Passagem 81: Os médicos e vereadores da capital tinham conseguido aprovar uma lei que dizia que os mortos tinham que ser sepultados em lugares próprios para eles, os cemitérios. Mas ser enterrado em cemitério era motivo de desprestígio para o morto, e a família fazia o possível para evitar. [...] tinha-se a ideia de que para eles iam apenas os suicidas, os criminosos, os indigentes e os escravos. [...] Além de convencer a população de que seria melhor para os vivos mandarem os mortos para um cemitério, havia ainda outro grande problema. Os enterros dentro das igrejas [...] eram negócios dos quais os religiosos não queriam abrir mão. Página 741 {XXXXXXXXXX} Passagem 82: Ele não disse isso para me humilhar ou diminuir, mas para me fazer entender que, apesar de não ter culpa por ser africana e preta, eu seria constantemente punida por isso. Página 775 {XXXXXXXXXX} Passagem 83: Vi a partida como uma vingança, como se eu dissesse àquele povo que não precisava mais dele. Era como dizer que tinham me obrigado a viver lá e eu tinha me saído muito bem, muito melhor que grande parte dos brancos que não conseguiam se tornar nada além do que já eram quando nasceram, apenas brancos. Página 805 {XXXXXXXXXX} Passagem 84: Todas as irmãs são responsáveis pelos serviços de cozinha, de organização das cerimônias, da procissão do cortejo e dos funerais, que seguem regras da religião dos brancos misturada com a dos orixás. Página 811 {XXXXXXXXXX} Passagem 85: Os africanos não gostam de pôr histórias no papel, o branco é que gosta. Página 819 {XXXXXXXXXX} Passagem 86: O Maneta disse também que o padre compreenderia isso depois do dia em que se juntassem sete sóis e sete luas, e que uma criança fosse batizada por sete bispos, reunindo sete vontades. [...] o padre não tinha mesmo entendido isso [...] mas assim que encontrou tais ajudantes [...] eles foram imediatamente reconhecidos. [...] Os tais ajudantes eram um casal, Baltasar e Blimunda, sendo que ela era uma mulher que conseguia ver a força que existia dentro das coisas e das pessoas. [...] O casal começou a ajudar o padre na construção da Passarola [...] soube pelo irmão do padre Bartolomeu que ele tinha morrido louco. Da Blimunda e do Baltasar não se sabia o destino [...] Passei dias sentindo grande tristeza e o peito apertado, como se as lembranças da Esméria fossem tomando todo o espaço do meu de dentro, como diria a Blimunda. Página 823 {XXXXXXXXXX} Passagem 87: Era mulata clara, tinha tomado ares de brancos e vivia somente no meio deles, inclusive estava frequentando igrejas e levando o Hilário junto. O nome dela era Divina [...] O ruim era que a Divina estava conseguindo afastar o Hilário do Tico, justo os dois, que foram sempre tão unidos. Página 833 {XXXXXXXXXX} Passagem 88: Lá também, como na Bahia, carregar uma pena que fosse era trabalho de preto. Aliás, trabalho sempre era coisa de preto, imposto aos que tinham donos e exigido pelos libertos e os de ganho, que precisavam garantir o jornal [parte do ganho a ser paga ao dono] ou o sustento, ou as duas coisas juntas. Página 845 {XXXXXXXXXX} Passagem 89: Dona Balbiana preferiu continuar como escrava, porque achava que assim a vida seria mais fácil. Além do mais, a dona pedia um jornal muito baixo, do qual a dona Balbiana sabia que ela precisava. Página 850 {XXXXXXXXXX} Passagem 90: Os pretos da Bahia pareciam ter mais esperanças de felicidade, não sei se dá para entender, e os de São Sebastião pareciam mais conformados. [...] a palavra conformismo, porque é uma palavra que acaba com os sonhos das pessoas. [...] Valongo, o maior mercado de pretos de São Sebastião, famoso até mesmo em São Salvador. Página 854 {XXXXXXXXXX} Passagem 91: Perto do Valongo também havia o cemitério onde eram enterrados os pretos que chegavam mortos de África, ou que morriam antes de serem comprados. Tudo carecia de esperança, de vida, e a morte cheirava muito mal. Página 858 {XXXXXXXXXX} Passagem 92: Tinha sido libertado em testamento pelo antigo dono, que o considerou escravo leal e merecedor de fazer o que quisesse com a própria vida, desde que a do dono não existisse mais, é claro. Página 864 {XXXXXXXXXX} Passagem 93: Cada qual tem que descobrir o seu jeito de fazer perguntas, porque elas são sempre as mesmas, assim como têm as mesmas respostas. Um bom perguntador é aquele que finge que vai perguntar uma coisa e pergunta outra. Página 882 {XXXXXXXXXX} Passagem 94: O escravo é considerado uma coisa pela qual o dono dele pagou e que, portanto, tudo o que ele tivesse também pertenceria ao dono. Inclusive, um escravo nem ao menos se pertencia. Não era dono das suas vontades, da sua vida, de nada, quanto mais de bens. Era por isso que os filhos das escravas também nasciam escravos, pertencentes aos donos delas. Página 921 {XXXXXXXXXX} Passagem 95: Conheci o doutor Joaquim. Ele tinha vinte e poucos anos e era estudante de Medicina, mas, na verdade, gostava mesmo era de escrever. [...] resolvi perguntar se queria publicar o livro no jornal e ele respondeu que sim, que o jornal precisava começar a publicar histórias escritas por brasileiros. [...] Sabe de uma coisa da qual muito me orgulho? De ter dado o nome à mocinha do livro, que ele chamava apenas de “moreninha” [...] Não sei o motivo, mas enquanto ele lia para mim os trechos que descreviam a moça, eu a imaginava como sendo a Carolina, a filha mais velha da sinhazinha, já que naquela época as duas tinham a mesma idade. [...] uma história romântica e bonita, que tanto a Carolina como a sinhazinha poderiam ter vivido, ainda mais por se passar quase toda em uma ilha que eu logo imaginei sendo a Ilha de Itaparica. [...] A sinhazinha ficou muito contente com o livro da moreninha que enviei para ela, e concordou que a mocinha se parecia muito com a Carolina, que também ganhou um exemplar assinado pelo doutor Joaquim. Ele estava feliz com o sucesso do livro e a publicação do segundo, que tem o título de O Moço Loiro, e uma personagem chamada Tomásia. Uma homenagem, porque ele usou algumas histórias contadas por ela sobre a guerra e as apresentações das cantarinas, e também se inspirou nos saraus que a Tomásia presenciou nos salões da Candiani e de outras damas que ajudava a vestir. Página 923 {XXXXXXXXXX} Passagem 96: O Pinheiros era mais afastado, mas a cidade parecia estar protegida também por outros três rios, o Anhangabaú, o Tamanduateí e o Tietê, sendo que fora do espaço limitado por eles havia quase que apenas chácaras. Esse Tamanduateí era interessante, porque parecia fazer as construções dançarem às suas margens, tantas eram as voltas que dava. [...] Quis saber mais sobre o tal Caminho das Sete Voltas, que ficava entre dois becos da cidade, o do Colégio e o do Porto Geral. [...] Era também perto da Consolação que havia um mercado onde os homens vendiam os peixes que apanhavam no Tamanduateí e no Tietê. [...] Isso eles tinham aprendido com os índios, que ainda habitavam muitas aldeias nos arredores da cidade [...] Os alemães moravam nas freguesias de Santo Amaro e do Bom Retiro, que eram duas das muitas que cercavam a cidade e que, com o passar do tempo, estavam quase se juntando a ela. Página 945 {XXXXXXXXXX} Passagem 97: Poder começar de novo, em outro lugar, com outras pessoas, com novos planos, é algo que não recuso nunca. Página 950 {XXXXXXXXXX} Passagem 98: Como disse a sinhazinha, a memória é mesmo o mais generoso dos retratistas. Página 951 {XXXXXXXXXX} Passagem 99: Sabia de todos os navios que ancoravam ou partiam, mesmo os clandestinos que chegavam à noite com carregamento de escravos, ali mesmo ou nas redondezas. Página 962 {XXXXXXXXXX} Passage 100: mPágina 981 O tráfico era muito lucrativo para todos, assim como o seu combate, e por isso o John achava que a escravidão no Brasil não teria fim tão cedo. {XXXXXXXXXX} Passagem 101: O tenente contou que em Uidá se comerciava muita coisa, mas o importante mesmo era o comércio de escravos, apesar de proibido. Página 1018 {XXXXXXXXXX} Passagem 102: José Joaquim disse que dez pipas de cachaça valiam seis bons homens jovens, enquanto quatro mulheres poderiam ser trocadas por oito caixas de açúcar ou de melaço, que valiam menos. Página 1019 {XXXXXXXXXX} Passagem 103: O Alfaiate era muito duro no trato com os negócios e com os escravos, mas uma pessoa muito cordial e gentil com os amigos. [...] Às vezes eu ficava um pouco constrangida por me relacionar com mercadores de escravos, mas logo esquecia, já que aquele não era problema meu. Eu não conseguiria resolvê-lo mesmo se quisesse [...] não poderia ficar com muitos escrúpulos depois de fornecer armas para o rei Guezo, sabendo que seriam usadas em guerras que fariam escravos, quase todos mandados para o Brasil. [...] Os vencedores se apossavam de tudo que podiam, o que restava nas casas, nos celeiros e nas lavouras, além das cabeças dos guerreiros mortos, que eram compradas pelo rei, assim como os capturados vivos, que seriam feitos escravos [...] infelizmente a vida era assim mesmo e cada um que cuidasse de si, já que diretamente eu não estava fazendo mal a ninguém. Se eu não vendesse as armas, outras pessoas venderiam e as guerras iam continuar existindo, como sempre tinham existido. Eu só não tinha coragem de comprar e vender gente, porque já tinha sentido na pele como era passar por tal situação [...] Uma coisa que também me consolava ao vender armas era que havia muitos escravos aprisionados sem guerra nenhuma, vendidos ou doados pelas próprias famílias. Alguns desses embarcavam felizes, como algumas vezes presenciei. Página 1021 {XXXXXXXXXX} Passagem 104: Recebi visitas de brasileiros que gostavam de contar suas histórias. Muitos dos que foram obrigados a retornar, principalmente os que já eram libertos no Brasil e viviam em boas condições, tinham raiva da África. Página 1022 {XXXXXXXXXX} Passagem 105: Era muito comum serem embarcados filhos de reis ou de chefes tribais que poderiam ameaçar o trono de algum herdeiro menos conceituado e mais ambicioso. Para que não criassem problemas na sucessão, os meninos ou rapazes eram vendidos ou dados aos mercadores de escravos, que não faziam qualquer distinção entre nobres e súditos. [...] sabe quem eu acho que mais ganhava com isso tudo? Os ingleses. Justo eles que diziam querer acabar com o comércio de escravos, eram os que mais se beneficiavam dele. Página 1023 {XXXXXXXXXX} Passagem 106: Ele dizia que um verdadeiro artista precisava saber contemplar, que a natureza era a dona de toda a arte, apenas emprestada aos homens. Página 1115 {XXXXXXXXXX} Passagem 107: O padre Pedro da Anunciação tinha dito que eu devia ter fé em Deus, mas o Prudêncio não concordava, pois, segundo ele, Deus é grandioso demais para se importar com as pequenas coisas dos homens. Página 1151 {XXXXXXXXXX} Passagem 108: Eu achava que era só no Brasil que os pretos tinham que pedir dispensa do defeito de cor para serem padres, mas vi que não, que em África também era assim. Aliás, em África, defeituosos deviam ser os brancos, já que aquela era a nossa terra e éramos em maior número. O que pensei naquela hora, mas não disse, foi que me sentia muito mais gente, muito mais perfeita e vencedora que o padre. Não tenho defeito algum e, talvez para mim, ser preta foi e é uma grande qualidade. Página 1181 {XXXXXXXXXX} Passagem 109: Quase sem descanso, uma preocupação atrás da outra, eu simplesmente esperava a vida acabar de dizer a que tinha vindo. Página 1209

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