O AMANTE DE LADY CHATERLLEY - D.H. LAWRENCE

 


Apesar de ser possível sentimentalizar, a parte sexual foi sempre uma das mais antigas e sórdidas ligações e sujeições. Os poetas que a glorificaram eram na grande maioria homens e as mulheres sempre souberam que havia algo de melhor e mais nobre. E agora sabiam-no com maior certeza do que nunca.

A bela e pura liberdade de uma mulher era infinitamente mais maravilhosa do que o amor-sexo. Lamentavelmente, os homens estavam muito atrasados em relação às mulheres nesse ponto. Insistiam no ato sexual como cães.

Uma mulher podia conquistar um homem sem se atraiçoar, podia tê-lo sem se submeter ao seu poder.

Lutava pela “liberdade” e defendia as calças, camisas de flanela abertas no pescoço e uma espécie de cortês anarquia emocional.

De fato, tudo é ridículo, mas quando nos começa a tocar de mais perto tornamo-nos também ridículos...

Cada dia tem o seu calvário. Cada momento, a sua aparência de realidade.

Aquela imobilidade momentânea, mas expressa, aquela imobilidade e intemporalidade a que o Buda aspira e que os negros possuem por vezes, sem querer. Qualquer coisa de velho, de velho e aquiescente, própria da raça. Séculos de aquiescência como destino de raça, em vez da nossa resistência individual.

“Une immense espérance a traversé la terre”, “e destruiu na sua passagem tudo o que valia a pena”.

A vida do espírito necessita de uma casa confortável e de uma boa cozinha. Para pensar, é necessário ter dinheiro, senão o estômago não deixa.

Teria vergonha de ver uma mulher com o meu nome como rótulo, morada e destino como uma mala de roupa.

É uma ideia engraçada, Charlie — disse Dukes —, essa do sexo ser outra forma de diálogo, em que se representam as palavras em vez de as pronunciar.

Em vez de os homens a beijarem e a tocarem fisicamente, revelavam o seu espírito. Era divertido! Mas os espíritos eram gelo.

O bolchevismo, parece-me — começou Charlie — é apenas um ódio superlativo por tudo o que chamam burguês. Não está definido o significado de burguês, e inclui o capitalismo entre outras coisas. Até um organismo é burguês, e o ideal tem de ser mecânico; cada homem é uma parte da máquina, e a força motriz da máquina é o ódio; o ódio por tudo o que é burguês. Mas parece-me ser também a descrição perfeita de todo o ideal industrial. Cuja única diferença é ele negar que a força motriz é o ódio. E é... ódio da própria vida. O ódio é uma coisa que cresce, como tudo o resto. Somos todos bolchevistas e hipócritas. Os russos são bolchevistas sem serem hipócritas. Às vezes, ser inteligente é ser imbecil. Pessoalmente, considero o bolchevismo imbecil, mas a nossa vida social no Ocidente também é imbecil. Deus e bolchevistas são a mesma coisa, demasiado boas para poderem ser verdadeiras. O amor é outra das coisas imbecis dos nossos dias. Intelectualmente acredito que tenho um bom coração, um pênis vivo, uma inteligência ativa e a coragem de dizer “merda” diante de uma senhora. Não sou realmente inteligente, sou apenas um adepto da vida mental.

Ela calou-se. A lógica não admitia réplica, porque estava completamente errada. Seria realmente o seu destino continuar absorvida na vida dele para sempre? Não haveria mais nada na sua vida? Ter-se-ia de satisfazer com a vida em comum, como se fossem um só, vida essa enfeitada, aqui e ali, pela flor ocasional de uma aventura.

Foi assim que ela o viu, uma ameaça que aparecia de repente sem ela saber de onde.

Estava frio, um frio desagradável. Ia nevar. Tudo cinzento, tudo cinzento! O mundo parecia exausto.

Connie sentia que o seu mundo e a sua vida estavam gastos, e a sua insatisfação era mais antiga do que aquelas colinas.

Quando a alma emocional recebe um golpe que fere, mas que não mata o corpo, a alma parece restabelecer-se ao mesmo tempo que este; mas isto é apenas aparente, não passa do mecanismo de um hábito reassumido; muito lentamente, a ferida da alma começa a fazer-se sentir, e quando julgamos que recuperamos e esquecemos, surgem outros efeitos, terríveis, mais agudos do que nunca. Era assim com Clifford. Parecia ter esquecido e recuperado toda a serenidade. Mas, lentamente, a chaga do medo e do horror crescia e se espalhava dentro dele. Agora começava a desenhar-se em contornos de medo, que se aproximavam da paralisia. A paralisia, a chaga de um golpe demasiado severo, alastrava gradualmente ao seu eu afetivo. A chaga da guerra estivera em suspenso, vinha agora à superfície. A chaga era funda, funda, funda... a chaga de uma guerra falsa e desumana.

O casamento, a vida em comum, fundada num hábito de intimidade, havia dias em que tudo se tornava em vazio, em nada. A única realidade era o vazio, coberto por uma hipocrisia de palavras.

Tinha-se tornado o mais conhecido dos jovens “intelectuais”. Onde estava o “intelectualismo”, Connie não percebia.

Os homens esquecem-se de tudo o que é essencial. Elevam-se no ar como se fossem foguetes e esperam que os sigam.

Para ele não existe ninguém, senão ele próprio. Vive preocupado exclusivamente consigo próprio.
Não se preocuparão todos os homens exclusivamente consigo próprios? — perguntou ela.

Nem à superfície ela estava excitada com o futuro esplendoroso que ele lhe oferecia. Como tantos homens modernos, ele terminava pouco depois de começar, o que obrigava a mulher a ser ativa.

Todas as mulheres são assim. Ou não têm orgasmo como se estivessem mortas, ou esperam até um homem acabar, e então atuam por si, começam a sentir prazer e o homem tem de aguentar.

Nada restava senão aquele mecanismo de vazio a que Clifford chamava vida completa. Aceitar o grande vazio da vida pareceu a Connie ser o único objetivo da sua existência. Todas as pequenas coisas importantes e urgentes que, somadas, constituem a totalidade do vazio.

A mulher quer que um homem goste dela e fale com ela, mas, ao mesmo tempo, que a ame e a deseje, e parece-me que as duas coisas se excluem mutuamente.
— Eu sinto... sinto que está qualquer coisa errada entre os homens e mulheres. As mulheres já não têm encanto para os homens.
— E os homens para as mulheres? — Ela pensou no outro aspecto da pergunta.
— Não muito — respondeu com sinceridade.

Nada tinha sentido, nem ela própria.

Horrível, a juventude, quando os jovens se sentem tão velhos como Matusalém, e, apesar de tudo, qualquer coisa ferve por dentro e não dá alívio.

Todas as palavras grandiosas tinham perdido o significado para a geração de Connie: amor, alegria, felicidade, casa, mãe, pai, marido.

Para tudo é preciso dinheiro. É preciso tê-lo, tem de se ter dinheiro. Nada mais interessa. É assim! O dinheiro é uma necessidade, a única necessidade absoluta.

Ela pensou em Michaelis e no dinheiro que podia ter com ele e que nem sequer desejava.

Bem, se a pessoa tem de se prostituir, ao menos que seja à deusa-cadela! Pode-se sempre desprezá-la, mesmo depois da prostituição à Glória, o que constitui uma vantagem.

Se se convencer que não significavam nada, não significam mesmo.

Sexo e um cocktail: duraram mais ou menos o mesmo tempo, tiveram o mesmo efeito e conduziram ao mesmo fim.

Não foi possível encontrar um homem na Jerusalém do Profeta, embora houvesse milhares de machos. Mas um homem!

Ele achou-a donairosa, quase bonita na sua timidez, e imediatamente tomou conta da situação.

Connie sentiu uma vez mais a impermeabilidade, a mesquinhez dos homens da sua geração. Eram tão limitados, tinham tanto medo da vida!

Como é frágil, sensível, patético, um corpo humano nu!

Da sua amargura nasceu uma indignação fria contra Clifford, os seus livros e tudo o que ele dizia; contra todos os homens como ele, que defraudavam uma mulher até do seu próprio corpo.

Como todos da sua raça. Interiormente, eram insensíveis e indiferentes, e a afabilidade não de uma nota de mau gosto.

Até os melhores aristocratas têm pouco para ser reservados! A sua regra não é uma regra, mas uma farsa.

Que sentido tinha o seu sacrifício e dedicação a Clifford? Que causa estava afinal a servir? Um espírito gelado e vaidoso, incapaz de contatos humanos, corrupto como um judeu de nascimento humilde, ansioso por se prostituir à deusa-cadela da Glória.

Uma mulher tem de viver a sua vida, ou depois arrepende-se de a não ter vivido. Acredite-me!

Desde que consigam esquecer o corpo, os homens viverão felizes; no momento em que começam a tomar consciência do corpo, os homens sentem-se deprimidos.

Acreditem, a única ponte sobre o abismo será o falo.

Numa fase futura poderão até existir verdadeiros homens.

Quando tivermos afastado um pouco o peso de espírito, do dinheiro e o resto. Então teremos uma democracia de contato, em vez de democracia de algibeira.

Sentiu-se reconfortada, como as coisas sem sentido produzem sempre esse efeito.

Qual a vantagem de existirem pessoas descontentes que não se integram em situação nenhuma?

Odiava as palavras que sempre se interpunham entre ela e a vida. As palavras é que violam tudo. Violado! Podia-se ser violado sem o menor contato. Violado por palavras mortas tomadas obscenas, por ideias mortas convertidas em obsessões.

O dinheiro e o pseudo amor são as duas grandes manias

Era possível ouvir as histórias mais íntimas de outras pessoas, mas num espírito de respeito por essa coisa que luta e que sofre: a alma humana. Porque até a sátira é uma forma de simpatia. O que determina realmente a vida de uma pessoa é exatamente a maneira como a simpatia se dá e se retira. Por isso, o romance corretamente manuseado pode revelar os lugares mais recônditos da vida. Mas o romance, como a má-lingua, pode também excitar simpatias e aversões falsas, mecânicas e insensíveis.

Tevershall. Parecia uma terrível confusão de vidas sórdidas, e, de modo nenhum, aquela monotonia cinzenta vista de fora.

É horrível a conduta destes velhos! São piores que os novos, mais repugnantes. Na minha opinião o cinema é que tem a culpa disto tudo.

Os adultos são piores do que os novos, são mesmo os piores.

Falem em moralidade! Ninguém liga. As pessoas fazem o que querem, e vivem melhor assim.

Os homens são tão bons e pacientes! Que é que eles hão de fazer, os desgraçados? Mas as mulheres, oh, são terríveis!

Já é altura de os pobres terem algum dinheiro para gastar, os ricos já o têm há muito.

Os velhos são pacientes e bons, realmente, e deixam as mulheres fazer tudo o que querem. E eis o resultado! As mulheres são verdadeiros demônios.

Se as coisas continuarem a correr mal por muito tempo, os jovens podem tomar-se estranhos.

Mas até o futebol já não é o que era! Dizem que se assemelha muito mais a um trabalho duro.

As raparigas são tão livres como os rapazes, fazem o que querem. Não têm cabeça para ser socialistas nem sabem tomar as coisas a sério, nem nunca saberão.

Connie considerava as classes baixas muito parecidas com as outras. A única diferença entre elas reside na quantidade de dinheiro que se possui e que se queira possuir.

Todas as coisas vulneráveis têm de morrer sob o peso do ferro.

Não era de admirar que aquelas pessoas fossem feias e rudes.

[A exploração dos trabalhadores nas minas de carvão] Estava a produzir uma nova raça da humanidade, hipersensível ao dinheiro e aos aspectos sociais e políticos, mas morta em relação a tudo o que é espontâneo e intuitivo. Uma raça de cadáveres dotados de uma consciência terrível e persistente. “Meu Deus, o que o homem pode fazer ao homem!”

Reduziram-nos a qualquer coisa abaixo do humano, e já não pode haver fraternidade entre eles. “Que pesadelo!”

Aqueles seres constituíam a massa industrial, os outros que ela conhecia, as classes dirigentes, já não havia nenhuma esperança. E isto era a Inglaterra, a imensa magnitude da Inglaterra.

Mais abaixo distinguiam-se penachos de fumo negro e penachos de vapor branco da grande mina de carvão que metera por ano centenas de milhares de libras nos bolsos do duque e dos outros acionistas.

Olhando-se para a esquerda, podiam ver-se filas de bonitas e modernas “moradias” dispostas como pedras de dominó, separadas por jardins, um jogo de dominó bizarro a ser jogado pelos “patrões” misteriosos sobre a terra surpreendida.

Um dos mais famosos solares isabelinos. Ainda se mantinha, mas apenas como casa-museu. “Eis como os nossos antepassados o dominaram!”

A nobreza estava a partir para lugares mais aprazíveis, onde podiam gastar o seu dinheiro sem terem de ver como ele era obtido.

Quando via grupos de mineiros disformes a deambularem perto das suas fontes ornamentais dizia: “Os mineiros não são ornamentais como os veados, mas são de longe mais lucrativos”.

Os mineiros não lhe eram pessoalmente hostis, de maneira nenhuma. E, no fundo, tinham-lhe ódio. “Trabalhavam para ele.” E na sua fealdade, ofendiam-se com a sua existência elegante, bem arranjada, culta.

Via os mineiros arrastarem-se das minas, deformados. Rostos cinzentos de um mundo subterrâneo, curvados pelos tetos das galerias, costas deformadas. Homens! Em certos aspectos, talvez até homens pacientes e bons. Noutros, inexistentes. No entanto, eram homens. Eram “sérios”, na sua metade amputada. Vidas destituídas de beleza, de intuição, vidas de minas. Talvez, quando o carvão se extinguisse, eles desaparecessem também da face da terra. Talvez não passassem de uma estranha fauna dos jazigos de carvão. Criaturas de outra realidade, elementos que serviam os elementos do ferro. Homens não humanos, mas animais de carvão.

Um assalariado! Um dos criados de Clifford! Ele seria inferior? Seria mesmo?

Acho que, embora não o soubesse, odiava a mina, odiava. Tinha um aspecto tão tranquilo depois de morto, como se se sentisse livre.

— Mas pode durar assim tanto tempo a recordação de um contato? — perguntou Connie, bruscamente — A ponto de perdurar ainda?
— Oh, Lady Chatterley, mas que outra coisa é que pode perdurar?

Sim, aquilo era o amor, aquele movimento ridículo das nádegas, aquele esmorecimento de um pênis insignificante e úmido. Era esse o divino amor! Tinham razão os poetas ao dizerem que o Deus que criou o homem teve um humor sinistro em o criar como criatura dotada de razão e obrigá-lo àquela posição ridícula, e a desejar cegamente aquela representação.

Oh!, eram os filhos de Deus em contato com as filhas dos homens.

— As pessoas podem ser o que quiserem e sentirem o que lhes apetece em privado, desde que conservem intacta a sua forma de vida, o aparato.
— É como dizer que o ovo pode estar tão podre quanto possível, desde que não lhe quebremos a casca.

— Não haverá mais greves, se as coisas forem bem orientadas.
— Por quê?
— Porque se fará com que as greves sejam impossíveis.
— E acha que os homens o vão deixar fazer isso?
— E quem é que lhes vai perguntar isso? Trataremos de agir quando os apanharmos desprevenidos. E para bem deles e da indústria!
— E para seu bem também.
— Com certeza!
— Mas deixá-lo-ão eles impor condições? — perguntou ela.
— Terão de deixar, se uma pessoa arranjar as coisas pela calada.

— O direito de propriedade converteu-se numa questão religiosa, sempre o foi, desde Jesus e São Francisco. Mas já não se põe em termos de “pega o que tens e dá aos pobres”, mas sim “usa tudo o que tens para desenvolver a indústria
— E a desigualdade?
— Isso é o destino! Por que é que Júpiter é maior do que Netuno? Não pode começar a alterar a disposição das coisas. Quem foi que deu aos mineiros tudo o que eles têm de bom na vida? A liberdade política, a educação, a higiene, as condições de saúde, os livros, a música, tudo? Quem lhes deu tudo isso?
— Hoje em dia tudo é vendido e comprado, e todas as coisas que mencionou são vendidas ao povo. Tudo é vendido. Você nem dá um pouco de simpatia autêntica. Além do mais, quem roubou às pessoas a sua vida natural e a sua humanidade e lhes concedeu em troca este pesadelo industrial? Quem foi? Não admira que o odeiem — disse ela.
— Mas é que não me odeiam — redarguiu Clifford — Não se deixe enganar, no sentido que a palavra tem para si, eles não são homens. São animais que não compreendem nem poderão jamais compreender. Os escravos de Nero faziam muito pouca diferença dos nossos mineiros ou dos operários da Ford. Assim são as massas: elas são o inalterável. Um indivíduo pode emancipar-se das massas, mas uma emancipação não altera a massa, que é de si inalterável. Hoje a educação é um dos maus substitutos do circo. O mal é que fizemos profundos cortes no programa do circo e envenenamos as massas com um pouco de educação.
Connie ficava assustada. As suas palavras continham uma verdade destruidora. Era uma verdade que matava.

— Desde sempre, e até ao fim dos tempos, as massas foram dirigidas e têm de o ser. Dizer que são capazes de se auto dirigir é uma pura hipocrisia e uma farsa. Ponha qualquer criança no meio da classe dirigente e ele crescerá para ser um chefe. Ponha filhos de reis e de duques entre a plebe e eles serão pequenos plebeus, produtos das massas.
— Nesse caso, o povo não constitui uma raça e os aristocratas uma linhagem.
— Não, minha filha. Tudo isso é uma ilusão romântica. A aristocracia é uma função, faz parte do destino. A plebe é uma função também, a outra parte do destino. O indivíduo pouca importância tem.

Connie continuava sentada no talude, a contemplar as campainhas destruídas e esmagadas. “Não há nada mais belo do que a primavera inglesa.” “Sou capaz de desempenhar as minhas funções de chefe.” “Precisamos mais de chicotes do que espadas.” “As classes dirigentes!”

— Estou cansada de mentalidades que se consideram importantes.
— Prefere antes animalidades que se intitulam importantes?

Ele parecia um esqueleto emitindo uma vontade de esqueleto, fria e cinzenta.

Mulheres são assim: a maior parte delas querem um homem, mas não querem o sexo. Quando estou com uma mulher que é realmente lésbica, sinto-me cheio de raiva por dentro e só me apetece matá-la.

— Seja como for, nós somos brancos e as negras são algo como lama.

— O futuro parece-me negro para nós e para toda a gente.
— Mas em que é que acreditas? — insistiu ela.
— Em nada, como todos os homens que conheço.

Dinheiro, dinheiro, dinheiro! Os homens de hoje triunfam, matando dentro de si o sentimento humano, transformam o Adão e a Eva em carne picada. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, para extrair da humanidade tudo o que é humano e convertê-la em máquinas de trepidação. O mundo alcançará a sua própria salvação, quando já não existir na face da Terra um único homem.

A raiz da loucura está no sexo.

Contemplar a exterminação da espécie humana e o grande intervalo que se seguirá antes que outra espécie se desenvolva, acalma-nos mais do que outra coisa qualquer.

— Acho que o pior que se pode fazer é trazer uma criança a este mundo
— Não, não digas isso! — implorou Connie — Parece-me que vamos ter um filho. Diz que estás feliz!
— Estou feliz por ti, mas acho que é uma terrível traição ao ser que vai nascer.

É preciso que o dinheiro não seja o nosso único objetivo, nem o nosso, nem o dos outros. Contentemo-nos com o dinheiro que precisamos. Não precisamos de muito dinheiro para viver. Não precisam de trabalhar tanto.

Sinto que engoli fel, que me devora, e nenhum lugar é suficientemente afastado para nos podermos refugiar.

Eu eliminaria todas as máquinas da face da Terra, acabaria com a era industrial, como se fosse um erro lamentável.

“Assim, o universo passa lentamente, com uma lentidão inconcebível para as nossas medidas de tempo, o mundo físico, tal como o conhecemos hoje, não é mais do que uma onda ligeira muito próxima do nada”.
O que quer dizer é que ele é um fracasso físico na Terra e por isso quer converter o universo inteiro num fracasso físico também.

A ordenação do mundo de hoje remonta a um passado inimaginável e será sepultada num futuro também inimaginável.

Acredito que a vida do corpo é uma realidade superior à vida do espírito, quando o corpo está realmente desperto para a vida. Mas a maioria das pessoas são como a sua famosa máquina. Agora, o corpo humano está exatamente a despertar para a vida. Houve uma esperança com os gregos, e depois Platão e Aristóteles destruíram-na, e Jesus deu o golpe final. Mas hoje o corpo está realmente a despertar, a levantar-se do túmulo.

Cada partida significa um encontro em qualquer parte. Cada encontro um cativeiro.

Todos os homens são iguais: umas crianças que precisam de ser aduladas, acariciadas, precisam de pensar que fazem o que querem. Se uma mulher se opõe à vontade de um homem, não se entendem. Quando se gosta de um homem é necessário ceder, se ele está realmente determinado, tenha ou não razão. Se se gostou de um homem uma vez na vida, pode-se gostar de qualquer homem, pelo menos que precise de nós. Mas não é a mesma coisa.

Hilda repudiava o amor físico, que converte os homens em pequenos monstros nojentos e egoístas.

O amor pode ser maravilhoso. Enquanto se sente, vive-se, a pessoa sente-se no meio da criação. Tenho a impressão de que os mosquitos sentem o mesmo.

Antes pensava que qualquer mulher morreria de vergonha. Mas foi a vergonha que morreu. Vergonha que é medo: essa vergonha orgânica, profunda, esse antiquíssimo medo físico gerado nas raízes do corpo e que só o fogo sensual pode destruir. Como os poetas e todas as outras pessoas mentiam! Convencem-nos de que realmente o que se deseja é um sentimento, quando, afinal, a grande necessidade é uma sensualidade violenta, tremenda, terrível. Supremo prazer do espírito! Que é que isso significa para uma mulher? O que é que isso significa para um homem? O espírito necessita da sensualidade para se modificar e evoluir. Sensualidade ardente, pura, em vez de turbilhões de ideias.

Não me interessa a ternura e a sensualidade egoísta dos homens. E não estou disposta a ser um brinquedo de um homem e muito menos a sua chair à plaisir! Queria uma intimidade perfeita, e nunca a consegui.

Connie sempre se tinha deixado dominar pela irmã mais velha. Agora, embora, algures dentro dela, chorasse, estava livre do domínio de outras mulheres. Liberta do domínio estranho e da obsessão de outras mulheres. Como eram terríveis, as mulheres!

Connie tinha sido acordada para a existência das pernas, que, para ela, começavam a ser mais importantes do que os rostos, que já não eram autênticos. Muito poucas pessoas tinham umas pernas vivas e despertas.

Paris era uma cidade triste! Uma das cidades mais tristes do mundo: estragada por uma sensualidade mecânica, estragada pela tensão do dinheiro, estragada até pelo rancor e pela vaidade, mortalmente estragada, Destaque (Amarelo) | Posição 4612 pessoas eram todas iguais, com pequenas diferenças. Só queriam dinheiro.

Queriam divertir-se, divertir-se fosse como fosse, nem que as pedras escorressem sangue.

O nosso mundo não passa, afinal, do fundo de um oceano; não passamos de uma fauna estranha, que se alimenta dos despojos à maneira do camarão. O ar que normalmente respiramos é um tipo de água e os homens e as mulheres são uma espécie de peixes.

O mundo é uma coisa mais ou menos fixa, e, aparentemente, temos de nos adaptar a ele. Interiormente, podemos fazer o que nos agrada.

Não acredito no mundo, nem no dinheiro, nem no progresso, nem no futuro da nossa civilização.

O sexo, no fundo, é um contato, o mais íntimo dos contatos. E do contato que as pessoas têm medo.

Um pouco de delicadeza e ternura. É a nossa mais evidente necessidade.

— Essa noção de liberdade das mulheres acaba sempre na mais terrível das tiranias. Por vezes o homicídio devia ser autorizado. Quando uma mulher fica possessa, é uma coisa assustadora; devia ser morta.
— E os homens também não deviam ser mortos quando ficam possessos?
— Com certeza!

Todos os Cliffords e Berthas deste mundo deviam estar mortos. A Coisa mais simpática que se podia fazer com eles era matá-los. Só servem para frustrar os outros. Por dentro são horríveis, e a morte seria um alívio para eles.

Hoje em dia o fim do mundo fica a cinco minutos de Charing Cross. Enquanto o rádio está a funcionar, não há distâncias. Os reis de Daomé e os lamas do Tibete ouvem Londres e Nova Iorque.

O mundo é uma grande máquina, vasta e sinistra, e é preciso cuidado para não se ser apanhado por ela.

Que o nome da irmã fosse aparecer ligado ao do couteiro. Parecia-lhe demasiado.

O mundo é louco, e ninguém o pode destruir, embora eu gostasse de o fazer.

Na nossa civilização, e devido à nossa educação, a massa depende inteiramente do dinheiro que pode gastar. Se ao menos fosse possível explicar-lhes que viver e gastar dinheiro não significa o mesmo!

Hoje em dia as pessoas são limitadas, e a grande massa nem mesmo procura pensar, porque não sabe.

Os mineiros não são pagãos, muito longe disso. São uma gente triste, morta, morta para o amor, para a vida. Para tudo precisam de dinheiro, e o dinheiro envenena quando se tem e quando não se tem.

Todas as calamidades que assolaram o mundo jamais conseguiram apagar os corações, nem o amor das mulheres.

Só nos podemos precaver contra o futuro acreditando em nós e em qualquer coisa para além de nós. Acredito na chama que nos une.

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