RECURSÃO - Blake Crouch



Não podemos controlar nada. Só aguentar o tranco.

Lembrai, lembrai o 5 de novembro… Conhece?

A memória… é tudo. Fisicamente, uma lembrança não passa de uma combinação específica de impulsos nervosos, uma sinfonia de atividade cerebral. Mas, na verdade, é o filtro que se coloca entre nós e a realidade. Você acha que está tomando vinho, ouvindo as palavras que eu digo, no presente, mas isso não existe. Os impulsos neurais das suas papilas gustativas e dos seus ouvidos são transmitidos para o seu cérebro, que processa tudo e joga na memória operacional. Então, quando você tem a percepção de estar vivendo alguma coisa, essa coisa já é passado. Já é uma lembrança. Achamos que apreendemos o mundo direta e imediatamente, mas todas as nossas experiências são essas reconstruções tardias e cuidadosamente editadas. O que encaramos como “presente” não é de fato um momento. É um segmento de tempo recente, e é arbitrário.

É claro que a mente não conhece as coisas imediatamente, apenas por intermédio das ideias que faz delas.” John Locke.

Afinal, o que caracterizaria uma lembrança como “simples”? Será que se pode dizer que isso existe, em se tratando da condição humana? Se cada lembrança contém um universo, o que se poderia chamar de simples?

São tão poucas as coisas nessa existência com que podemos contar para termos a sensação de permanência, de terra firme sob nossos pés. E a que vamos nos agarrar, momento após momento, se as lembranças simplesmente forem mutáveis? Nesse caso, o que é real? E se a resposta é nada, o que resta?

No fundo do nosso cérebro existe uma glândula do tamanho de um grão de arroz chamada pineal, que exerce um papel na criação de uma substância química chamada dimetiltriptamina, ou DMT. Um dos psicodélicos mais potentes conhecidos pelo ser humano. Em doses minúsculas, liberada no nosso cérebro à noite, a DMT é responsável pelos sonhos. Mas, no momento da morte, a glândula pineal libera uma verdadeira enxurrada de DMT. Uma liquidação final antes de fechar as portas. É por isso que as pessoas veem coisas quando estão próximas do fim, por exemplo, um túnel em direção à luz, ou o flash de sua vida inteira passando diante de seus olhos.

Os lugares que deixam mais saudade são aqueles em que nunca estivemos. — carson mccullers

Achamos que estamos vendo o mundo como ele realmente é, mas você, Helena, mais do que todo mundo, sabe… que são só sombras na parede da caverna.

Nos últimos tempos, ele vem se perguntando se a vida não se resume a uma longa despedida daqueles que amamos.

Os seis livros que são tudo para ela: De Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius; Física, de Aristóteles; Principia Mathematica, de Isaac Newton; A origem das espécies, de Charles Darwin; e dois romances: O estrangeiro, de Albert Camus, e Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

Helena pensa que essa doença [Alzheimer] é uma forma sádica e esquizofrênica de viajar no tempo pelas lembranças, lançando suas vítimas o mais distante possível na extensão de suas vidas, fazendo-as acreditarem que estão vivendo no passado. Deixando-as à deriva no tempo.

É uma das melhores coisas de Nova York: ninguém se importa com seu estado emocional desde que não haja sangue envolvido. Chorar pelas ruas em plena luz do dia tem o mesmo grau de privacidade de chorar no quarto à noite. Talvez porque ninguém se importe. Talvez porque esta seja uma cidade brutal, onde todos já tiveram dias ruins.

[No livro “nós” se refere aos EUA e “cadeira” é algo com potencial destrutivo maior do que bombas]
— Quem, entre nossos inimigos, ora, até entre nossos aliados: quem se beneficiaria de usar a cadeira contra nós?
— Quem não se beneficiaria? — retruca Shaw.

[...] disse: Sua perspectiva muda depois de incontáveis vidas. Talvez ele tivesse razão. Só se pode compreender verdadeiramente a si mesmo quando se vive muitas vidas.

O modo como processamos a realidade e como vivemos o tempo de um momento para outro é um mero acaso da evolução. O modo como diferenciamos o passado, o presente e o futuro. Mas, graças à nossa inteligência, temos consciência da ilusão, mesmo enquanto vivemos sob seus efeitos.

A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão persistente. Foi Einstein quem disse isso, sobre o amigo Michele Besso.

Agostinho exprimiu perfeitamente: “O que é o tempo, então? Se ninguém me perguntar, eu sei; mas, se explicar a alguém que me pergunte, não sei.”

Talvez a memória seja a matéria fundamental, aquela da qual o tempo emerge.

Não importa que horas são. Pelos próximos seis meses vai ser sempre noite.

O espaço sideral é uma das poucas dimensões em que o tempo faz sentido para ele. Barry sabe que, tecnicamente, quando olha para determinado objeto, está olhando para o passado. Mesmo ao olhar para a própria mão, a luz leva um nanossegundo (um bilionésimo de segundo) para levar aquela imagem aos olhos. Quando ele olha para a base de pesquisa, a um quilômetro, vê a estrutura que existia 2.640 nanossegundos atrás. Parece instantâneo, e, para todos os efeitos, de fato é. Mas, quando Barry olha para o céu noturno, está vendo estrelas cuja luz levou um ano, ou um século, ou um milênio para alcançá-lo. A luz que os telescópios que sondam o espaço veem tem dez bilhões de anos de idade, emitida por estrelas que se aglutinaram logo após o surgimento do universo. Ele está olhando para trás, não apenas através do espaço, mas também do tempo.

Acelera o passo, entendendo finalmente que a memória é tudo de que ele é feito. Tudo de que todas as coisas são feitas.

Nossa existência não é algo a ser arquitetado ou otimizado para evitar a dor.

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