O TEMOR DO SÁBIO (A Crônica do Matador do Rei Livro 2)

 


Se houvesse uma tempestade, gotas de chuva haveriam de bater e tamborilar nas silas trepadeiras atrás da hospedaria. O trovão ribombaria e roncaria e perseguiria o silêncio estrada afora, como folhas caídas de outono.

A morte era como uma vizinha incômoda. Não se falava dela, por medo de que ela ouvisse e resolvesse fazer uma visita.

– O que você trouxe para mim? – perguntou.
– O que você trouxe para mim? – retruquei.
Ela riu.
– Eu tenho uma maçã que acha que é uma pera – disse, levantando a fruta – E um pãozinho que acha que é um gato. E uma alface que pensa que é uma alface.
– Então, é uma alface esperta.
– Dificilmente – disse Auri, com uma bufadela delicada – Por que uma coisa esperta haveria de pensar que é uma alface?
– Mesmo se ela for uma alface?
– Especialmente nesse caso. Ser uma alface já é muito ruim. Que coisa terrível também se pensar que é uma alface!
[Amei essa personagem! Ela me lembrou a Luna, e me pareceu ainda mais bonita]

Como um latoeiro conhece seus fardos.

Ficavam simplesmente escondidos no corpo, sem fazer nada durante meses, até que a pessoa começava a sangrar pelas gengivas e a perder o cabelo.

A questão não é de culpa. Árvore não cria tempestade, mas qualquer idiota sabe onde o raio vai cair.
[Eis aqui a comprovação de que todas as pessoas do mundo são idiotas]

Embora seja uma canção encantadora, é perversamente difícil de tocar. Meu pai se referia a ela como “a melhor canção já escrita para 15 dedos”.

– Fui mais paciente que duas pedras juntas. Você chegou bem na hora. Eu não poderia ser paciente como três pedras.
– Obrigado, Auri – agradeci, assim que consegui falar – Você também é especial para mim.
– É claro que sou – disse ela, sem rodeios – Sou encantadora como a lua.
[Que diálogo delicioso!]

Fregueses abastados jogavam, bebiam e falavam de seja o que for que falam os ricos. De como surrar adequadamente o cavalariço, imaginei. Ou técnicas para perseguir a criada de quarto pela propriedade.
[Como diz o “velho deitado”, as coisas quanto mais mudam mais iguais ficam]

– Não parece estranho serem sempre os homens que têm que ir dormir em outro lugar?
– É bastante óbvio que as mulheres controlam a cama – falei.
– Não é uma ideia desagradável – comentou Wilem – Dependendo da mulher.

Há duas coisas que tornam Faeriniel singular. Primeiro, é lá que todas as estradas do mundo se encontram. Segundo, não é um lugar que homem algum já tenha encontrado ao procurá-lo. Não é um lugar a que se vá, mas por onde se passa a caminho de outro.

O velho estava indo de lugar nenhum para nenhum lugar. Não tinha chapéu na cabeça nem bornal nas costas. Não tinha um só vintém, nem uma bolsa onde guardá-lo. Mal era dono do seu próprio nome e até este havia sido desgastado e esfiapado pelos anos.

Possuíam uma habilidade secreta chamada Lethani. Ela lhes permitia usar seu silêncio como uma armadura, capaz de desviar uma espada ou deter uma flecha no ar. Era por isso que raramente falavam. Eles economizavam as palavras, guardando-as dentro de si como brasas no bojo de uma fornalha.

A bem da franqueza, porém, as coisas não eram perfeitas. Havia uns carrapichos no cobertor, como meu pai costumava dizer.

Havia sempre uma parte de mim que esperava mais, portanto havia uma parte de mim que era sempre tola.
[Quem nunca fez isso, que atire a primeira mentira]

Para o nosso propósito, finja que perdi as chaves. Melhor ainda, finja que morri e que você está livre para bisbilhotar todas as minhas coisas secretas.
– Isso é meio lúgubre, Reshi – censurou-o Bast, com delicadeza.
– A vida é meio lúgubre, Bast – retrucou Kvothe, sem o menor indício de riso na voz – É melhor você começar a se acostumar com isso.

– Acho que não gosto dessa madeira, Reshi. E a fechadura de ferro é decididamente injusta.
– Como já foi útil esta aula! – comentou Kvothe, secamente – Você deduziu uma verdade universal: as coisas geralmente são injustas.

Há dois tipos de segredos: os da boca e os do coração. A maioria deles é da boca. Boatos compartilhados e pequenos escândalos sussurrados. Um segredo da boca é como uma pedra na bota. Vão crescendo à medida que são guardados, inchando até pressionar os lábios. Lutam para se soltar. Os segredos do coração são diferentes. São privados e dolorosos e não há nada que se deseje mais do que escondê-los do mundo. Eles não inflam nem pressionam a boca. Vivem no coração e, quanto mais são guardados, mais pesados se tornam. É melhor ter a boca cheia de veneno que um segredo no coração. Com o tempo, não há como deixarem de esmagar o coração que os contém.

Um segredo. Pode fazer o sangue fluir com mais facilidade que a tinta.

É da natureza das pessoas falar em magia, sempre que deparam com algo que não sabem explicar facilmente.

São as perguntas que não sabemos responder que mais nos ensinam. Elas nos ensinam a pensar. Se você dá uma resposta a um homem, tudo o que ele ganha é um fato qualquer. Mas, se você lhe der uma pergunta, ele procurará suas próprias respostas.

As histórias não precisam ser novas para trazer alegria. Algumas são como velhos amigos. Em outras a gente pode confiar como confia no pão.

A mim me parece que a pessoa precisa de alguma coisa com que possa ficar feliz e não tenho nada disso.

– E o que você faz? – perguntou Jax.
– Sou um escutador – disse o ancião – Escuto as coisas, para ver o que elas têm a dizer.

Que tristeza! Seu coração está dilacerado e você nunca teve sequer a oportunidade de usá-lo.

Você deve pensar bem nisto, rapaz: ao amar alguma coisa, certifique-se de que ela retribui seu amor, caso contrário, acarretará um número infindável de problemas ao persegui-la.
[Não dá pra evitar o amor, mas dá pra evitar a vergonha... ou pior]

A única coisa que impediu Dedan de ter um acesso de raiva e investir contra Tempi foi não conseguir saber como poderia atacar um homem nu sem olhar para ele ou sem de fato tocá-lo.
[Ah, a heteromania! Socar outro homem tudo bem, é “esporte”, mas tocá-lo quando está nu é constrangedor]

Só os tolos se inquietam com o que não podem controlar. Só um tolo descrê daquilo que vê com os próprios olhos.
[Nossa, como eu sou tola!]

Teme o sensato mortal a noite sem do luar um sinal.

Poderia ter prescindido inteiramente da verdade e contado uma história muito melhor. As mentiras são mais simples e, na maioria das vezes, fazem mais sentido.
[Por isso existe tanta gente negando a razão em nome de uma fantasia]

Cada mulher é um instrumento, à espera de ser aprendido, amado e tocado com requinte, para que enfim sua verdadeira música seja criada. Alguns talvez se ofendam com este modo de ver as coisas, por não compreenderem como um artista de trupe encara sua música. Talvez achem que deprecio as mulheres. Talvez me considerem insensível, grosseiro ou abrutalhado. Mas essas pessoas não compreendem o amor, nem a música, nem a mim.

– Assim é a natureza do amor – disse Vashet. – Tentar descrevê-lo enlouquece uma mulher. É isso que mantém os poetas rabiscando sem parar. Se um deles conseguisse prendê-lo no papel, completinho, os outros pousariam suas penas. Mas isso é impossível. No entanto, só um louco afirmaria que o amor não existe.

Terminamos de lavar a louça juntos, compartilhando o silêncio. Às vezes, isso é tudo que se pode compartilhar.

As palavras nem sempre conseguem fazer o trabalho que precisamos que façam. A música existe para quando nos faltam palavras.
[E, às vezes, nem a música conseguem exprimir o que sentimos]

– Não somos esquisitos, no que diz respeito ao nosso sexo. Não nos envergonhamos dele. Não achamos importante guardar só para nós o sexo de outra pessoa, como um avarento acumulando ouro.
– Mas… e o romance? – perguntei, levemente indignado – E o amor?
– Eu tinha esquecido como são atrasados. O meu rei poeta era igualzinho. Demorou um tempo desgraçado de longo para ele compreender a verdade. Que há uma enorme diferença entre o pênis e o coração.
[Poderia ser tão simples, né?]

A música transporta as palavras por milhas, levando-as para o coração e a memória.

A lua estava no céu e passou algum tempo nos olhando pela janela, embora eu duvide que lhe tenhamos mostrado alguma coisa que ela já não tivesse visto.

Portar uma espada pela vida inteira, sabendo que ela seria apenas para matar… O que isso faria com a cabeça da pessoa? Seria terrível.
[É terrível, e não vale só para as espadas]

Se você quiser saber a verdade sobre quem é, caminhe até que nem uma única pessoa saiba o seu nome. Um longo estirão de estrada lhe ensina mais sobre você mesmo do que 100 anos de serena introspecção.
[Infelizmente isso é coisa para poucas pessoas, e dificilmente possível para uma mulher]

Às vezes, a melhor ajuda que uma pessoa pode receber é ajudar alguém.

Há silêncios que nem mesmo as palavras conseguem repelir.

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