ORYX E CRAKE



Tantos acontecimentos cruciais ocorrem pelas costas das pessoas, quando elas não estão em condição de assistir: nascimento e morte, por exemplo. E o temporário esquecimento do sexo.

Havia hardware demais por aí, dizia o pai de Jimmy. Hardware demais, software demais, bioformas hostis demais.

Dolores teve que ir, porque a verdadeira mãe de Jimmy ia ficar lá o tempo todo – isso foi apresentado a ele como se fosse um presente – e ninguém precisava de duas mães, precisava? Ah, sim, precisava, pensa o Homem das Neves. Ah, sim, precisava mesmo.

Jimmy já tinha fingido muitas vezes, portanto sabia identificar isso nos outros, quase sempre.

Os pais de todo mundo reclamavam dessas coisas. Lembra quando se podia andar por toda parte? Lembra quando todo mundo morava na plebelândia? Lembra quando se podia viajar para qualquer lugar do mundo sem medo? Lembra as cadeias de hambúrgueres, sempre de carne de vaca, lembra as carrocinhas de cachorro-quente? Lembra de antes de Nova York ser Nova Nova York? Lembra de quando era importante votar? Esse tipo de conversa era comum.

– Homero – diz o Homem das Neves, abrindo caminho pela vegetação molhada. – A divina comédia. Estátuas gregas. Aquedutos. Paraíso perdido. Música de Mozart. As obras completas de Shakespeare. As irmãs Bronte. Tolstoi. A Catedral de Chartres. Bach. Rembrandt. Verdi. Joyce. Penicilina. Keats: Turner. Transplantes de coração. Vacina contra a pólio. Berlioz. Baudelaire. Bartok. Yeats. Woolf. Deve ter havido mais. O saque de Troia, diz uma voz em seu ouvido. A destruição de Cartago. Os vikings. As cruzadas. Gêngis Khan. Átila o Huno. O massacre dos cátaros. As bruxas queimadas nas fogueiras. A destruição dos astecas. Dos maias. Dos incas. A Inquisição. Vlad, o empalador. O massacre dos huguenotes. Cromwell na Irlanda. A Revolução Francesa. As Guerras Napoleônicas. A fome na Irlanda. Escravidão na América do Sul. Rei Leopoldo no Congo. A Revolução Russa. Stalin. Hitler. Hiroshima. Mao. Pol Pot. Idi Amin. Sri Lanka. Timor Leste. Saddam Hussein. Esse era o problema do Blood and Roses: era mais fácil lembrar das coisas relativas a sangue.

Filo Classe Ordem Família Gênero Espécie, depois o hábitat e quando ele foi visto pela última vez, e o que havia causado a sua extinção. (Poluição, destruição do hábitat, imbecis crédulos que achavam que comer o seu chifre poderia fazer o pau crescer.)

Amanhã, amanhã e amanhã. Arrasta-se de mansinho dia a dia, Até a última sílaba do livro da memória; E todos os nossos ontens guiaram os tolos No caminho da enfadonha morte, lê Anna K.

Quando foi que o corpo começou a buscar as suas próprias aventuras?, pensa o Homem das Neves; depois de ter se livrado de suas velhas companheiras de viagem, a mente e a alma.

Há algo de bom na fome: pelo menos ela faz você saber que ainda está vivo.

Quando o Homem das Neves era criança já existiam coelhos verdes e luminosos, embora não fossem tão grandes e não tivessem ainda fugido das gaiolas e cruzado com a população selvagem e se tornado uma praga.

O céu escurece e passa de ultramarino para índigo. Deus abençoe aqueles que deram nome às tintas a óleo e à roupa de baixo sofisticada das mulheres, pensa o Homem das Neves. Rosa-pétala, Carmesim, Névoa Diáfana, Terra Queimada, Ameixa Madura, Índigo, Ultramarino – são fantasias em si mesmas essas palavras e expressões. É reconfortante lembrar que o Homo sapiens foi um dia tão criativo com a linguagem, e não só com a linguagem.

Cérebros de macaco, tinha sido a opinião de Crake. Patas de macaco, curiosidade de macaco, o desejo de desmontar, virar pelo avesso, cheirar, apalpar, medir, melhorar, quebrar, jogar fora – tudo ligado ao cérebro de macaco, um modelo avançado de cérebro de macaco, mas cérebro de macaco mesmo assim.

As pessoas chegam mais perto, homens e mulheres, juntando-se em volta dele, com seus olhos verdes luminescentes na semiescuridão, exatamente como o coelho: algum gene de alga marinha.

Essa é a pior parte dos lobocães, eles ainda se parecem com cachorros, ainda se comportam como cachorros, levantando as orelhas, saltando como cachorros, abanando os rabos. Eles fazem você de bobo e depois atacam. Não foi preciso muito para reverter cinquenta mil anos de interação homem-cão.

Olhando para ela, você sabia que uma mulher de tanta beleza, tão delicada e que havia sido tão pobre devia ter tido uma vida difícil, mas que esta vida não havia sido de esfregar chãos.

Na aldeia, essa transação não era chamada de “venda”. Falava-se em aprendizagem. As crianças estavam sendo treinadas para ganhar a vida no mundo lá fora: era assim que douravam a pílula.
Esse homem não era considerado um criminoso, e sim um negociante honrado que não trapaceava, pelo menos não muito, e que pagava à vista. Portanto, ele era bem recebido e tratado com respeito, porque ninguém na aldeia queria cair em desgraça com ele. E se ele deixasse de ir lá? E se uma família precisasse vender uma criança e ele não a comprasse porque havia sido ofendido numa viagem anterior?

– Babaca não é palavrão, é apenas uma descrição gráfica.

O Homo sapiens não parece ser capaz de limitar o fornecimento. Ele é uma das poucas espécies que não limita a reprodução diante da escassez de recursos.

Depois que o homem partia, as mães que haviam vendido seus filhos sentiam-se vazias e tristes. Elas tinham a sensação de que aquele ato, cometido livremente por elas (ninguém as havia obrigado, ninguém as havia ameaçado), não havia sido cometido voluntariamente.
As crianças choravam de noite, baixinho. Tinham sido levadas embora do ambiente que conheciam. Elas não tinham mais amor, supondo que antes tivessem algum. Tinham um valor monetário: devem ter percebido isso.
Ter um valor monetário não era um substituto para o amor. Toda criança devia ter amor, toda pessoa devia ter. Ela própria preferiria ter tido o amor da sua mãe. Havia muita gente que não tinha nem amor nem valor monetário, e ter uma dessas coisas era melhor do que não ter nada.

Amanhã é outro dia – ele proclama para as nuvens cor-de-rosa e púrpura. Mas se amanhã é outro dia, o que é hoje?

O Homem das Neves já achava os pássaros chatos desde aquela época, mas ele não faria mal a eles. Enquanto agora o que ele queria mesmo era ter um enorme estilingue. A cabeça dele está se tomando um grande depósito de ímãs de geladeira obsoletos. O que eram todas aquelas coisas que um dia ele achou que sabia, e para onde elas foram? Fragmentos de palavras descem girando por ele, mergulhados em um líquido cinzento que ele percebe ser o seu cérebro dissolvido. Falando curto e grosso, ele está morrendo aos poucos de fome.

Cuidado com os líderes, Crake costumava dizer. Primeiro os líderes e os liderados, depois os tiranos e os escravos, depois os massacres. Sempre foi assim.

Crake achou que tinha acabado com tudo isso, eliminado o que ele chamava de ponto G do cérebro. Deus é um conjunto de neurônios, ele afirmava. Tinha sido um problema difícil, entretanto: se você retirasse coisas demais nessa área, produzia um zumbi ou um psicopata.

Como Crake costumava dizer, Pense em uma adaptação, qualquer adaptação, e algum animal, em algum lugar, já terá pensado nela primeiro.

O namoro começa com a primeira cheirada, com os machos oferecendo flores para as fêmeas. Dentre os tributos florais, a fêmea escolhe quatro flores, e o ardor sexual dos candidatos malsucedidos arrefece imediatamente, sem deixar nenhum rancor. A fêmea e seu quarteto procuram um local reservado e copulam até a mulher engravidar. E é isso aí. Nada desse papo de Não quer dizer sim, pensa o Homem das Neves. Não há mais prostituição, nem abuso sexual de crianças, nem barganha de preços, nem cafetões, nem escravas sexuais. Não existe mais estupro. Não importa mais quem é o pai da criança que irá inevitavelmente ser concebida, uma vez que não há mais propriedade para ser herdada, nem a lealdade pai-filho necessária para as guerras.

Na antiga disposição do mundo, a competição sexual tinha sido impiedosa e cruel: para cada par de amantes felizes havia um espectador abatido, aquele que havia sido excluído. O amor era como uma bolha transparente: você podia ver os dois lá dentro, mas não conseguia entrar. Emoções extremas podiam ser letais. Se eu não posso ter você, ninguém mais terá, e assim por diante. O resultado poderia ser a morte.

Quanto desespero inútil tem sido causado por uma série de combinações biológicas malfeitas, por um desalinhamento dos hormônios e feromônios? Resultando no fato de que a pessoa que você ama tão apaixonadamente não quer ou não pode amar você. Nós somos mesmo robôs carregados de hormônios, só que funcionamos mal.

– Arte – disse Crake. – Acho que ainda existe muita conversa fiada quando se fala em arte. O que foi que Byron disse? “Quem iria escrever se pudesse não fazê-lo?” Ou algo parecido.
– Quando uma civilização se transforma em cinzas – ele disse –, tudo o que resta é a arte.
– Isso não é tudo o que resta – disse Crake. – Os arqueólogos se interessam na mesma medida por ossos quebrados e tijolos velhos e merda ossificada.

– O sapo macho, na época do acasalamento – disse Crake –, faz o máximo de barulho possível. As fêmeas são atraídas pelo macho que tiver a voz mais alta e mais grave porque isto sugere um macho mais poderoso, com genes de maior qualidade. Sapos machos pequenos... isso foi documentado... perceberam que, quando se posicionam dentro de canos vazios, o cano age como um amplificador de voz, e o sapo parece ser muito maior do que é na realidade.
– E daí?
– A arte para o artista é isso – disse Crake. – Um cano vazio. Um amplificador. Uma forma de conseguir trepar.
– A sua analogia cai por terra quando se trata de mulheres artistas – disse Jimmy. – Elas não fazem isso para trepar.
– As mulheres artistas são biologicamente confusas – disse Crake. – Você já deve ter percebido isso.

Por que eu estou nesta terra? Por que estou sozinho? Onde está a minha Noiva de Frankenstein?

Crake foi o primeiro da classe. Jimmy, por outro lado, era um aluno mediano, bom em palavras, mas ruim em números. Aquelas notas medíocres em matemática tinham sido conseguidas com a ajuda de Crake, que dera aulas para Jimmy nos fins de semana.
– Por que você está fazendo isso? – Jimmy perguntou no meio de uma aula exasperante. – Por que está me ajudando?
– Porque eu sou um sádico – Crake disse. – Gosto de ver você sofrer.
Ele agora era menos engraçado: tinha perdido o interesse pela plateia.

Os seios de Ramona, suspensos pelo sutiã, eram sardentos de tanto sol, mas Jimmy não estava mais muito interessado neles. Ele agora já conhecia bem a estrutura de cantilever dos suportes das glândulas mamárias.

Ele não queria mesmo ter um pai, nem ser um pai, nem ter um filho, nem ser um filho.

Sua mãe ia dizer suas últimas palavras para ele através do sistema de microfones, disse Crake, mas houve uma falha digital; então, embora ele pudesse ver os lábios dela se movendo, não pôde ouvir o que ela estava dizendo.
– Em outras palavras, nada diferente do que sempre foi – disse Crake.

– Esses caras deviam ser espancados – Crake disse.
– Qual deles? Os camponeses? Ou os caras que estão matando os camponeses?
– Os últimos. Não por causa dos camponeses mortos, sempre houve camponeses mortos. Mas eles estão arrasando as florestas para plantar essa coisa.
– Os camponeses também fariam isso se tivessem chance.
– Claro, mas eles não têm a mínima chance.
– Você está tomando partido?
– Não há nenhum partido a tomar nessa situação.

Ele tinha crescido em espaços confinados, e então tornou-se um deles.

A desgraça corre mundo.

Apaixonar-se, embora resultasse de uma alteração da química do corpo e fosse, portanto, uma coisa real, era um estado ilusório hormonalmente induzido, segundo ele. Além disso, era humilhante, porque deixava você em desvantagem, dava poder demais ao objeto do amor. Quanto ao sexo propriamente dito, ele não apresentava nem um desafio nem uma novidade, e de forma geral era uma solução profundamente imperfeita para o problema da transferência genética intergeracional.

Nada de interessante acontecia na plebelândia, fora comprar e vender: não havia vida inteligente.

– Para se defender de quê?
– Da Natureza e de Deus.
– Pensei que você não acreditasse em Deus – disse Jimmy.
– Eu também não acredito na Natureza – disse Crake. – Não com N maiúsculo.

Penso, logo invado.

– Vamos supor – disse Crake uma noite – que a civilização assim como nós a conhecemos seja destruída. Quer um pouco de pipoca?
– Isso é manteiga de verdade? – disse Jimmy.
– Só temos o melhor em Watson-Crick – disse Crake. – Uma vez destruída, ela nunca mais poderia ser reconstruída.
– Por quê? Tem sal aí?
– Tudo o que é preciso é a eliminação de uma geração – disse Crake. – Uma geração de qualquer coisa. Besouros, árvores, micróbios, cientistas, falantes de francês, seja o que for. Quebrando o elo temporal entre uma geração e a seguinte, o jogo estará terminado.

O mundo inteiro é hoje um grande experimento fora de controle – como sempre foi, Crake teria dito – e a doutrina das consequências involuntárias está em franca expansão. A sociedade humana, segundo eles, era uma espécie de monstro, e seus principais subprodutos eram cadáveres e entulho. Ela jamais aprendeu, cometeu os mesmos erros idiotas vezes sem conta, trocando lucro a curto prazo por sofrimento a longo prazo. A sociedade humana era como uma lesma gigante devorando incansavelmente todas as outras bioformas do planeta, mastigando a vida do planeta e defecando-a na forma de peças manufaturadas e logo obsoletas de lixo plástico.

Seu cabelo estava ficando mais ralo nas têmporas, apesar do curso de seis semanas do AnooYoo sobre crescimento de folículos que ele tinha feito. Ele se sentia controlado pelo próprio pau, como se o resto do seu corpo fosse apenas um apêndice sem importância que por acaso estivesse preso nele por uma ponta.

Assistia ao noticiário: mais calamidades, mais fome, mais enchentes, mais ataques de insetos ou micróbios ou pequenos mamíferos, mais seca, mais guerras com meninos-soldados em países distantes. Houve uma onda de meninas adolescentes encontradas trancadas em garagens. Aqueles que as deixavam trancadas alegavam que as meninas estavam trabalhando como empregadas domésticas e que haviam sido trazidas dos seus miseráveis países de origem para o seu próprio bem. Ficavam trancadas na garagem para sua proteção, disseram, em sua defesa, os homens que foram arrastados aos tribunais. Frequentemente, eles eram apoiados por suas esposas. Essas meninas, disseram as esposas, tinham sido praticamente adotadas, e eram tratadas quase como se fossem membros da família. Jimmy adorava essas duas palavras: praticamente, quase.

As semanas seguintes foram as piores que ele podia lembrar. Muita coisa estava voltando para ele, muito do que ele havia perdido, ou até – o que era mais triste – muito do que ele nunca tivera. Todo aquele tempo desperdiçado, e ele nem mesmo sabia quem o havia desperdiçado.

Ele agora estava bebendo sozinho à noite, um mau sinal. Não devia estar fazendo isso, só servia para deprimi-lo, mas ele precisava anestesiar a dor. A dor de quê? A dor dos lugares em carne viva, as membranas danificadas pelos golpes causados pela Grande Indiferença do Universo. O universo era uma mandíbula de tubarão. Uma fileira atrás da outra de dentes pontudos e afiados.

Ele lembrava de si mesmo na juventude como sendo uma pessoa despreocupada. Despreocupada, insensível, saltando alegremente sobre as superfícies, assoviando no escuro, capaz de enfrentar qualquer coisa. Fingindo que não estava vendo.

Agora ele estava completamente abalado. “Segure a onda”, dizia a si mesmo. “Controle-se. Não olhe para trás. Siga em frente. Busque um novo eu.” Mensagens tão positivas. Verdadeiros vômitos promocionais. O que ele queria mesmo era vingança. Mas contra quem, e por quê?

Ficava olhando para o teto, repetindo suas listas de palavras obsoletas para se consolar. Sachola. Afasia. Charrua. Enigma. Espingarda. Fúnebre. Simplório. Célere. Mas as palavras já não serviam de consolo. Não havia mais nada nelas. Jimmy já não se regozijava de possuir essas pequenas coleções de letras que outras pessoas haviam esquecido.

Ele odeia esses sonhos. O presente já é suficientemente ruim sem o passado se misturando com ele. Jamais quis prejudicar ninguém, não seriamente, não no espaço-tempo real. Fantasias não contavam.

Ninguém queria ser assexuado, mas ninguém queria ser apenas sexo.

Os moradores da plebelândia não se pareciam com os deficientes mentais que os moradores dos Complexos gostavam de descrever, pelo menos a maioria deles não se parecia.

As lojas ali iam de média a alta sofisticação, as vitrines eram elaboradas. Genes Azuis? Experimente SnipNFix! Acabe com a sua doença. Por que ser baixo? Vire um Golias! Escolha a criança dos seus sonhos. Cure o seu DNA. Fornecedores de Bebês Ltda.

O estudo correto da Humanidade é o Homem. Aquela seria a pílula da moda em todos os países, em todas as sociedades do mundo. É claro que as religiões malucas não iriam gostar dela, uma vez que sua raison d’être baseava-se no sofrimento, no adiamento indefinido de uma gratificação e na frustração sexual.

– Onde você consegue as cobaias para os testes clínicos?
Crake riu. – Nos países mais pobres. Basta dar a eles alguns dólares e eles nem sabem o que estão tornando. Clínicas de sexo, é claro. Ficam felizes em ajudar. Prostíbulos. Prisões. E nas fileiras dos desesperados, como sempre.

– A imortalidade – disse Crake – é um conceito. Se você considerar “mortalidade” como sendo não a morte, mas o pré-conhecimento e o medo dela, então a “imortalidade” é a ausência desse medo.

Vou fazê-la minha, os amantes diziam nos velhos livros. Eles nunca diziam Vou fazê-la eu.

Nós compreendemos mais do que podemos imaginar.

Ali está o seu armário, ali estão as roupas que um dia foram dele, camisas e shorts de tecidos leves, penduradas em seus cabides e começando a criar mofo. Sapatos também, mas ele não consegue mais suportar a ideia de usar sapatos. Seria como colocar cascos, e além disso o seu pé infectado poderia não caber. Pilhas de cuecas nas prateleiras. Por que ele usava essas roupas? Elas agora parecem estranhos instrumentos de escravidão.

O que Crake estava realmente aprontando, escondido nos subterrâneos do Complexo RejoovenEsense. Passando o mundo em julgamento, pensou Jimmy; mas com que direito?

Crake costumava dizer que o Homo sapiens sapiens não era capaz de individualizar mais de duzentas pessoas, o tamanho da tribo primal, e Jimmy reduziria esse número para dois.

Cuidado com a arte, Crake costumava dizer. Assim que eles começarem a produzir arte, teremos problemas. Qualquer tipo de pensamento simbólico seria sinal de decadência, na opinião de Crake. Em seguida eles estariam inventando ídolos e funerais e oferendas para os túmulos, e vida após a morte, e pecado e Linear B, e reis, e depois escravidão e guerra.

Uma única formiga pode ser considerada viva, no verdadeiro sentido da palavra, ou ela só tem relevância no contexto do seu formigueiro? Uma velha charada de Crake.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GÊNEROS LITERÁRIOS - Angélica Soares

O GUIA DO MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS - Douglas Adams

DO GROTESCO E DO SUBLIME de Victor Hugo