A HISTÓRIA SEM FIM



- Sabe, às vezes eu falo sozinho.
- E o que é que você fica falando?
- Imagino histórias, invento nomes e palavras que ainda não existem e outras coisas assim.
- E você conta essas coisas para você mesmo? Por quê?
- Porque não interessam a mais ninguém.

As paixões humanas são misteriosas, e as das crianças não o são menos do que as dos adultos. As pessoas que as experimentam não as sabem explicar, e as que nunca as viveram não as podem compreender.

Gostaria de saber o que se passa dentro de um livro quando ele está fechado. É claro que lá dentro só há letras impressas em papel, mas, apesar disso, deve acontecer alguma coisa, porque quando o abro, existe ali uma história completa.

- Escute – gorgolejou Morla. – Somos velhas, menino, velhas demais. Já vivemos bastante. Já vivemos muito. Para quem sabe tanto como nós, nada é importante. Tudo se repete eternamente, dia e noite, verão e inverno; o mundo está vazio e não tem significado. Tudo se move em círculos. O que aparece tem de desaparecer, o que nasce tem de morrer. Tudo passa, o bem e o mal, o estúpido e o inteligente, o belo e o feio. Tudo é vazio. Nada é real. Nada é importante.

Acontece, porém, que o horror vai deixando de ser tão terrível, à medida que se repete muitas vezes.

E nada tem mais poder sobre o homem do que a mentira. Porque os homens, filhinho, vivem de ideias. E as ideias podem ser dirigidas.
* Eu trocaria a palavra homem pela palavra pessoas para tornar a frase mais genérica e mais real. Pensando melhor, eu faria um pouco mais e ela ficaria assim: “E nada tem mais poder sobre as pessoas do que a mentira. Porque pessoas vivem de ideias. E as ideias podem ser vendidas, compradas, dirigidas e manipuladas”.

É possível que, com sua ajuda, se possam convencer os homens a comprar o que não necessitam, a odiar o que não conhecem, a acreditar no que os domina ou a duvidar do que os podia salvar.

O que reflete o espelho que se reflete num espelho?

Podemos estar convencidos durante muito tempo – anos talvez – de que queremos alguma coisa, se soubermos que nosso desejo é irrealizável. Porém, se de súbito nos vemos diante da possibilidade de este desejo se transformar em realidade, passamos a desejar apenas uma coisa: nunca tê-lo desejado.

Seu desejo de ser belo desaparecera também, pois ninguém deseja ser aquilo que já é.

- Ah! – balbuciou -, pensei... pensei que você tinha se transformado em pedra.
- E tinha – respondeu o leão. – Morro todos os dias quando cai a noite e acordo outra vez todas as manhãs.
- Pensei que era para sempre – explicou Bastian.
- Cada vez é para sempre – replicou Graograman de forma enigmática.

Uma história pode ser nova e, no entanto, falar de tempos remotos. O passado surge com ela.

 

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