SOBRE A NATUREZA HUMANA

 


O livro foi a principal inspiração do Círculo de Viena, núcleo formador do movimento conhecido domo “positivismo lógico”. – 7

São seres humanos, e não mentes, que percebem e pensam, desejam e agem, sentem alegria ou tristeza. – 8

Segundo o platonismo, a filosofia teria como meta a investigação de objetos abstratos. No aristotelismo, seu papel é investigar os princípios fundamentais de cada ciência e do pensamento em geral. Para os cartesianos, sua tarefa é estabelecer os fundamentos de todo e qualquer conhecimento sobre bases seguras e indubitáveis. O empirismo inglês, pelo contrário, encarava a filosofia como uma investigação sobre a origem de nossas ideias, bem como sobre a extensão e a natureza do conhecimento humano. Na revolução kantiana, a tarefa é revelar as condições de possibilidade do conhecimento em qualquer domínio dado. O que é comum a toda essa longa tradição é que ela tem por objetivo a verdade e procura fazer acréscimos ao conhecimento humano. – 10
[Para mim, filosofia é a ciência das perguntas, e não há nada sobre o qual não se possa perguntar]

A despeito dos esforços feitos ao longo de dois milênios e meio, não existe nenhum padrão universalmente aceito de conhecimento filosófico. – 10

Wittgenstein sempre se caracterizou por não tomar partido nos debates filosóficos pré-existentes, ele procurava revelar os pontos de contato entre as partes em disputa. “Sempre nos esquecemos de ir diretamente aos fundamentos”, diz ele. “Os pontos de interrogação nunca são postos numa profundidade suficientemente grande”. – 11

Sempre se ouve as pessoas dizendo que a filosofia não faz progressos e que os mesmos problemas filosóficos que preocupavam os gregos ainda hoje nos incomodam. Quem diz isso, porém, não entende a razão pela qual isso tem sido assim. A razão é que nossa linguagem permaneceu a mesma e nos conduz sempre às mesmas questões. – 11

Em filosofia, estamos constantemente sendo enganados por semelhanças gramaticais que mascaram profundas diferenças lógicas. – 12

Frequentemente, as questões filosóficas não são tanto questões em busca de uma resposta, mas questões em busca de um sentido. – 12

Não pode haver nenhuma teoria filosófica. A tarefa da filosofia é resolver ou dissolver os problemas filosóficos por meio de um esclarecimento do sentido. – 12

Os únicos tipos de explicação na filosofia são explicações por descrição. – 13

“jogos de linguagem”: as prática, atividades, ações e reações em contextos característicos, dos quais o uso regrado das palavras é parte integrante. – 13

Descrever o uso das palavras é desemaranhar confusões conceituais. – 13

Aproximar-se do sentido, ao contrário da aproximação da verdade que ocorre na ciência. – 13

Nós nos vemos emaranhados nas regras para o uso de nossas expressões. Cabe à filosofia fornecer uma visão nítida desse emaranhamento, e não mascará-lo. 13

O trabalho do filósofo consiste em reunir lembretes com uma finalidade particular. – 14

A filosofia é uma cura das doenças do intelecto. – 14

O que nós destruímos dão apenas castelos de cartas, e estamos limpando o terreno da linguagem sobre o qual esses castelos foram construídos. – 14

A filosofia é a busca de uma representação perspícua de segmentos de nossa linguagem que são fontes de confusões conceituais. - 14

A razão disso é que a gramática superficial das expressões é frequentemente enganadora. – 15

O objetivo é uma representação comparativa e perspícua de todas as aplicações, ilustrações, concepções [da parte relevante da gramática de uma série de expressões filosoficamente problemáticas]... A inspeção completa de tudo aquilo que possa produzir obscuridade. E essa inspeção deve se estender sobre um amplo domínio, pois as raízes de nossas ideias vão bem longe. – 15

- Observação minha: Wittgenstein me parece estar tão preocupado em fazer desaparecer a polissemia e as sutilezas de toda e qualquer palavra, expressão ou texto, o que, além de uma busca pelo impossível, acaba deixando em segundo plano o que, a meu ver, é a base real da filosofia: o pensamento questionador. E diminui sobremaneira o valor e a importância do significado e do contexto dos pensamentos e argumentos, e até mesmo a riqueza que a própria polissemia que ele tenta combater por vezes pode emprestar a um argumento. E ele me parece ignorar também as questões que tais polissemias podem levantar e que talvez não surgissem sem elas. A subjetividade não se presta muito bem a engessamentos muito rigorosos, e é isso que, me parece, Wittgenstein está tentando fazer.

Uma representação perspícua é um rearranjo daquelas regras para o uso das palavras que estão à vista de todos. – 15

Os problemas são resolvidos, não fornecendo novas informações, mas arranjando aquelas que nós sempre conhecemos. – 16

A filosofia desfaz os nós de nosso pensamento; seus resultados, portanto, devem ser simples, mas sua atividade é tão complicada quanto os nós que ela desfaz. – 16

As pessoas estão profundamente envolvidas por confusões filosóficas, vale dizer, gramaticais. Libertá-las vale dizer puxá-las para fora dessa imensa multiplicidade de conexões em que elas se prenderam. É necessário, por assim dizer, reagrupar toda a sua linguagem. – 16

Segundo Descartes, o ser humano é um composto de duas substância distintas, a alma e o corpo. – 18

Uma pessoa é uma alma encarnada, pois a mente, ou a alma, ao contrário do corpo, não é destrutível. – 19

Como disse Hume, “Quando entro no mais íntimo do que chamo eu mesmo, sempre deparo com esta ou aquela percepção particular de calor ou de frio, de luz ou de sombra, de amor ou de ódio, de dor ou de prazer. Não posso nunca apreender a mim mesmo sem uma percepção, e nunca observo nada que não seja a percepção”. 19/20

O eu, o ego, aquela coisa imaterial à qual Descartes pensava que o nome da primeira pessoa se referia, não é, ele próprio, um objeto da experiência? Não seria meramente uma ficção? Descartes não teria confundido a unidade da experiência subjetiva de cada um com a experiência dessa unidade (de uma alma-substância, ou ego), como argumentaria Kant? Como é que uma substância imaterial e não-espacial poderia interagir causalmente com um corpo físico no espaço? Não será absurdo supor que todos os enunciados sobre a ação humana voluntária (prometer algo, pagar uma conta, falar, escrever) sejam analisáveis em descrições de atos mentais de volição e movimentos corporais subsequentes? – 20

O dualismo mente/corpo foi substituído pelo dualismo cérebro/corpo. – 21

Ele [Wittgenstein] estava preocupado com a fonte que dá origem aos erros filosóficos e, mais particularmente, com as fontes gramaticais desses erros. – 21

Aquilo que “temos a tentação de dizer” em tais casos naturalmente não é filosofia, mas sua matéria-prima. Assim, por exemplo, aquilo que um matemático está inclinado a dizer a respeito da objetividade e realidade dos fatos matemáticos não é uma filosofia da matemática, mas algo que a filosofia deveria tratar. – 21

Experiências são “propriedades privadas” inalienáveis. – 23

No mundo interior encontramos a certeza, ao passo que a dúvida nunca nos abandona em nossas incursões pelo mundo exterior. – 23

O “interior” – o subjetivo – é epistemologicamente independente do “exterior” – do comportamento corporal. – 23

O comportamento alheio é o invólucro externo por trás do qual se esconde sua experiência privada. – 24

Estou incapacitado de identificar diretamente, por familiaridade, as experiências alheias. – 24

A distinção entre identidade numérica e qualitativa é uma distinção que se aplica a objetos físicos, coisas particulares que ocupam um lugar no espaço, mas não se aplica a qualidades. – 27

Estados ou experiências devem sua identidade enquanto particulares às pessoas de quem são estados ou experiências. Segue-se imediatamente disso que, se eles podem ser identificados como estados ou experiências particulares, então devem ser possuídos ou atribuíveis... de tal modo que seja logicamente impossível que um estado ou experiência particular possuído de fato por alguém tenha sido possuído por qualquer outra pessoa. Os requisitos da identidade excluem logicamente a transferibilidade da posse. – 27

Dado que todas as ações e sensações da mente são conhecidas por nós por meio da consciência, elas devem necessariamente aparecer nos mínimos detalhes assim como são, e ser aquilo que aparecem. Como tudo que entra na mente é na verdade uma percepção, seria impossível que algo aparecesse de outro modo ao sentimento. Isto seria supor que pudéssemos nos enganar até mesmo a respeito daquilo de que temos a mais íntima consciência. [Hume] – 30

É tão pouco possível examinar minha mente, quanto examinar a mente do outro. Uma tal investigação da alma requer imaginação e discernimento, mas não um “olho interno”, pois não há nada para se perceber, mas apenas para refletir. – 31

Não se trata de observar algo perspectivamente, mas sim de registrar como nos sentimos. Não existe diferença alguma entre ter uma dor e estar consciente dela. – 31

Posso sentir dores e, não obstante isso, duvidar ou perguntar a mim mesmo se as estou sentindo? – 32

Toda uma nuvem de filosofia condensando-se numa gota de gramática. – 32

Ele nos faz prestar atenção ao nosso uso das palavras. – 33

Só faz sentido dizer que uma pessoa sabe que p, caso também faça sentido negar que ela saiba. – 33

Um ser consciente é alguém que tem consciência de seus motivos, sabe aquilo que o move e por quê, reflete sobre suas emoções e atitudes. Esta é uma capa que apenas usuários da linguagem possuem e, no exercício dessa capacidade, o erro, a dúvida e o autoengano sempre são possíveis. – 34/35

“Eu não posso ser enganado pela consciência” [Reid]. Porque, neste domínio, não há nada que possamos chamar de engano - 35

Certas formas verbais não têm o uso que parecem ter e não podem ser utilizadas para dar apoio às teorias que delas lançam mão. – 36

A percepção é uma fonte primária de conhecimento do mundo. – 36

Aquilo que a sentença na primeira pessoa diz a respeito do falante não é exatamente o que o enunciado correspondente na terceira pessoa diz a respeito de A. – 37

Wittgenstein, “farejar um rato é sempre muito mais fácil do que capturá-lo”. – 38

A linguagem sempre funciona de uma só maneira e está sempre a serviço do mesmo objetivo – comunicar pensamentos. – 38

“O relógio mostra-nos o tempo. O que vem a ser o tempo, ainda não está decidido. E para que olhamos as horas – isto não vem ao caso”. – 39

Estes enunciados são expressões de dor, de crença e de desejo, e não descrições de objetos e eventos num palco privado. – 39

Temos de nos livrar da ideia preconcebida segundo a qual o principal papel desempenhado por enunciados psicológicos na primeira pessoa é descrever aquilo que se passa conosco. – 39

“A palavra ‘descrever’ talvez tenha nos pregado uma peça. – 39

Não há condições de observação, nem órgãos de percepção, nem uma faculdade perceptiva associada à um “sentido interno” – 40

Tais descrições são jogos de linguagem bem mais sofisticados do que poderíamos imaginar. – 41

Pretender, acreditar e pensar não são estados mentais, e descrever aquilo que pretendemos, cremos ou pensamos não é descrever nossos estados mentais. – 41

Parece haver uma descrição de meu comportamento e também, no mesmo sentido, uma descrição da minha dor! Uma seria, por assim dizer, a descrição de um fato externo; a outra, de um fato interno. Isto está relacionado à ideia de que no mesmo sentido em que posso dar um nome a uma parte do meu corpo, eu poderia dar um nome a uma experiência privada (só que indiretamente).

Estou chamando a sua atenção para o seguinte: os jogos de linguagem têm uma diversidade muito maior do que a que você imagina.

Você não pode dizer que um gemido é uma descrição! Mas isto mostra quão distante a proposição “Eu tenho dor de dente” está de uma descrição...

Em “Eu tenho dor de dente”, a expressão de dor é posta na mesma forma que a descrição “Eu tenho 5 xelins” – 41

A origem e a forma primitiva do jogo de linguagem é uma reação. A linguagem é um refinamento – ‘no princípio era o ato. – 42

Alegações de dor são extensões aprendidas de comportamentos expressivos naturais e são, elas próprias, formas de comportamento. Expressões rudimentares de carência são substituições parciais de comportamentos volitivos naturais. Expressões espontâneas de emoção, tais como “Eu gosto...”, “Eu amo...”, “Eu odeio...”, são manifestações de atitudes afetivas. – 43

Nós não identificamos nossa dor – nós a manifestamos. – 43

Contrariamente àquilo que dizia Hume, a mente não é “um tipo de teatro no qual várias percepções entram sucessivamente em cena. – 45

O interno é muito mais dessemelhante ao externo do que tais reconstruções filosóficas sugerem. – 46

A dor de dente é no dente, não na mente. – 46

Não digo que tenho dor de dente com base na observação, muito embora eu diga que ele tem dor de dente com base em seu comportamento. – 46

Só faz sentido falar em conhecimento indireto em contextos nos quais também faz sentido falar em conhecimento direto. – 47

Aquilo que o sofredor tem é dor e não conhecimento. – 47

O interno é algo que impregna o externo. – 49

Não podemos ver a nossa dor, mas apenas no sentido em que não podemos ver sons e ouvir cores. – 49

O corpo humano é a melhor imagem da alma humana. – 50

É o comportamento de um ser humano que fornece os critérios lógicos para afirmarmos que ele está percebendo ou sentindo algo, pensando ou recordando, alegre ou triste. – 51

O comportamento humano não é meramente um fenômeno físico. – 51

Isto tudo se choca tanto com o dualismo cartesiano, quanto com o dualismo cérebro/corpo. – 51

Poderíamos dizer o seguinte: se alguém vê o comportamento de um ser vivo, está vendo sua alma. – 51

A palavra “dor” não adquire sentido por dar nome a um objeto interno, mas por ser utilizada em expressões de dor por quem está sentindo dores e pelo fato de o grito “Eu tenho dor” ser um critério para atribuirmos dor a alguém. – 52

Seria necessário imaginar a dor que eu não sinto tomando a dor que eu sinto como modelo. – 53

A expressão “meu corpo” não indica uma relação de posse entre mim e meu corpo. – 54

A aparição na tela da inscrição apropriada é produto do comportamento do homem que fez o programa, e não de uma forma de comportamento humano na máquina. – 59

Que quantidade imensa de coisas um homem deve fazer para que digamos que ele pensa. – 60

Não é preciso temer que as máquinas um dia nos ultrapassem no pensamento, embora seja perfeitamente possível temer que elas nos levem a parar de pensar por nós mesmos. – 61


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