UM APARTAMENTO EM URANO - Paulo B. Preciado

 


A miséria é como um caminhão passando por cima de você, esmagando tudo.

[O ser humano é] um enxame mutante de partículas de energia e matéria vibrátil.

O psiquismo humano não para de criar e processar a realidade, às vezes em sonhos, às vezes acordado.

O amor vem da desconexão entre os órgãos genitais e o corpo.

A homossexualidade e a heterossexualidade, a intersexualidade e a transexualidade não existem fora de uma epistemologia colonial e capitalista, que privilegia as práticas sexuais reprodutivas.

Sou um dissidente do sistema sexo-gênero.

Nunca pensei que fosse um homem. Nunca pensei que fosse uma mulher.

Desfiz a máscara de feminilidade que a sociedade havia colado em meu rosto.

Paguei com o corpo o nome que carrego.

[Sou] um ateu do sistema sexo-gênero.

Somos os sobreviventes de uma tentativa sistemática e política de infanticídio: sobrevivemos à tentativa de matar em nós, quando ainda não éramos adultos e não podíamos nos defender, a multiplicidade radical da vida e o desejo de mudar os nomes de todas as coisas.

Como dizia a minha mãe indígena, o escritor Pedro Lemebel, não sei para que vim, mas estou aqui.

A mudança de sexo e a migração são duas práticas de transição que, questionando a arquitetura política e jurídica do colonialismo patriarcal, da diferença sexual e do Estado-nação, situam um corpo humano vivo nos limites da cidadania, talvez até daquilo que entendemos por humanidade.

Estava acontecendo o que jamais teríamos imaginado: o neoliberalismo não somente não questionou os Estados-nações, como na verdade estabeleceu uma aliança com seus segmentos políticos mais conservadores para limitar o acesso dos subalternos às tecnologias de produção de poder e de conhecimento.

Como dizia Thomas Bernhard, “quando o conhecimento está morto, eles o chamam de academia”.

A direita, composta de um nem sempre conciliável enxame de empresários, tecnocratas e capitalistas financeiros opulentos, mas também de pobres frustrados e monoteístas mais ou menos despossuídos, oscila entre uma lógica futurista que empurra a máquina bursátil para a mais-valia e a recessão repressora para o corpo social.

Eles dizem homem/mulher, branco/negro, humano/animal, homossexual/heterossexual, válido/inválido, são/doente, louco/sensato, judeu/muçulmano, Israel/Palestina. Nós dizemos você está vendo que o seu aparelho de produção de verdade não funciona… Quantas Galileias serão necessárias dessa vez para aprendermos a dar um nome novo às coisas?

Não vamos entrar no jogo do Estado disciplinar contra o mercado neoliberal. Os dois já chegaram a um acordo.

Recusamos uma cidadania definida a partir de nossa força de produção ou de nossa força de reprodução.

A paz é menos sexy que a guerra, um poema vende menos que uma rajada de balas.

Não estamos assistindo à crise do capitalismo, mas à sua expansão exponencial.

O novo liberalismo nunca se sentiu tão livre.

O neoliberalismo dá mais uma volta ao parafuso: uma vez que nada permitiu provar que a democracia beneficia o livre mercado, transformemos a própria democracia em mercado.

Os indignados são os novos hereges e as novas bruxas do capitalismo neoliberal.

Os atuais Estados-nações são ficções caducas no capitalismo neoliberal.

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