A MORTE DA FÉ – FICHAMENTO
HARRIS, Sam. A morte da fé. São Paulo: Companhia das
letras, 2009
Capítulo um – a razão no exílio
Uma crença é uma
alavanca que, uma vez acionada, move quase tudo o mais na vida de uma pessoa. p.
10
Parece haver um sério
problema com algumas de nossas crenças e convicções mais caras acerca do mundo:
elas estão nos levando, inexoravelmente, a matar uns aos outros. p. 11
As ideias que dividem
um grupo de seres humanos do outro, e que os unem quando se trata de cometer
assassinatos em massa, em geral têm raízes na religião. p. 11
A maioria das pessoas
deste mundo acredita que o criador do universo escreveu um livro. Por
infelicidade existem muitos livros desse tipo, e cada um alega que só ele,
exclusivamente, é infalível. p. 11
Todos esses textos,
porém, concordam perversamente em um ponto fundamental: o “respeito” pelas
outras crenças, ou pelas opiniões dos descrentes, não é uma atitude que Deus
aprova. p. 11
Assim, a intolerância
é intrínseca a todos os credos. p. 12
A certeza a respeito
da vida futura é simplesmente incompatível com a tolerância nesta vida. p. 12
Criticar as ideias de
alguém a respeito de Deus e da existência futura é uma atitude considerada não
diplomática, de uma forma que não ocorre quando se critica as ideias de alguém
sobre física ou história. p. 12
Nossos avanços
técnicos na arte da guerra acabaram por tornar as nossas diferenças religiosas
incompatíveis com a nossa sobrevivência. p. 12
Palavras como “Deus”
e “Alá” devem seguir o mesmo caminho de “Apolo” e “Baal” – do contrário, elas
vão destruir o nosso mundo. p. 13
É claro que algumas
pessoas de fé encontram consolo e inspiração em uma determinada tradição
espiritual, mas estão plenamente comprometidas com a tolerância e a
diversidade, enquanto outras estão dispostas a incendiar a terra inteira e
reduzi-la a cinzas, se isso puser fim à heresia. p. 13
Os religiosos
moderados também são portadores de um terrível dogma: eles imaginam que o
caminho para a paz será aplainado quando cada um de nós aprender a respeitar as
crenças não justificadas dos demais. p. 13-14
O próprio ideal da
tolerância religiosa é uma das forças que estão nos levando para o abismo. p. 14
A fé religiosa
perpetua a desumanidade do homem para com o homem. p. 14
Nem é preciso dizer
que todos esses sistemas de crença rivais são igualmente imunes a provas
concretas. p. 15
Alguém pode ser e não
ser racional ao mesmo tempo. É apenas porque a Igreja foi politicamente
refreada no Ocidente que as pessoas podem se dar ao luxo de pensar dessa
maneira. p. 15
Existe, sem dúvida,
uma dimensão sagrada na nossa existência. Mas veremos que para isso não é
preciso ter fé em nenhuma afirmação impossível de se comprovar. p. 15
Não há mais provas
para justificar uma crença na existência literal de Jeová e de Satanás do que
havia para manter Zeus sentado em seu trono no Olimpo, ou Poseidon criando as ondas
nos mares. p. 16
Dos americanos, 120
milhões creem que o Big Bang aconteceu 2500 anos depois que os babilônios e os sumérios aprenderam a fabricar
cerveja. p. 16
Nós, como espécie,
acabamos intoxicados pelos nossos mitos. Como é possível que, nessa única área
da vida, a humanidade ficou convicta de que nossas crenças acerca do mundo
podem pairar acima da razão e das provas concretas? p. 17
Os moderados de todas
as religiões são obrigados a interpretar de forma vaga (ou simplesmente
ignorar) boa parte de seus cânones, para poder viver no mundo moderno. p. 17
“Quando teu irmão, filho da tua mãe, ou teu filho, ou tua filha,
ou a mulher do teu seio, ou teu amigo que te é como a tua alma, te incitar em
segredo, dizendo: Vamos e sirvamos a outros deuses! - deuses que nunca
conheceste, nem tu nem teus pais, 7 dentre os deuses dos povos que estão em redor de ti, perto ou
longe de ti, desde uma extremidade da terra até a outra - 8 não consentirás com ele, nem o
ouvirás, nem o teu olho terá piedade dele, nem o pouparás, nem o esconderás, 9 mas certamente o matarás; a tua
mão será a primeira contra ele para o matar, e depois a mão de todo o povo; 10 e o apedrejarás, até que morra,
pois procurou apartar-te do Senhor teu Deus” – Deuteronômio 13,6-10
Você não vai ouvir
nenhum cristão ou judeu moderado defendendo uma leitura “simbólica” de
passagens desse tipo. p. 18
As portas de saída do
literalismo não se abrem a partir de dentro.
A moderação que vemos entre os não fundamentalistas não é sinal de que a
própria fé evoluiu, mas produto de muitas marteladas da modernidade. p. 18
Mesmo a pessoa menos
instruída entre nós sabe mais acerca
de certos assuntos do que qualquer pessoa sabia há 2 mil anos – e grande parte
desses conhecimentos é incompatível com as Escrituras. p. 19
A moderação religiosa
não oferece nenhuma proteção contra o extremismo religioso e a violência
religiosa. p. 20
O problema que a
moderação religiosa apresenta para todos nós é que ela não permite que se diga
nada de muito crítico acerca do literalismo religioso. p. 20-21
Ao deixar de viver
segundo a letra desses textos, e ao mesmo tempo tolerar a irracionalidade dos
que assim vivem, os moderados traem igualmente a fé e a razão. p. 21
Há um preço terrível
a pagar por limitar o escopo da razão em nosso trato com os outros seres
humanos. p. 21
Em vez de aplicar
toda a força da nossa criatividade e da nossa racionalidade aos problemas da
ética, da coesão social e até mesmo da experiência espiritual, os moderados
apenas nos pedem para relaxar nossos parâmetros de adesão a antigas
superstições e tabus, e ao mesmo tempo conservar um sistema de crenças que nos
foi passado de geração em geração, vindo de homens e mulheres cuja vida foi
simplesmente devastada por sua ignorância básica acerca do mundo. Em qual outra
esfera da vida é aceitável uma tal subserviência à tradição? p. 22
Imagine se pudéssemos
reviver um cristão instruído do século XIV. Esse homem se revelaria um total
ignorante, exceto em assuntos de fé. p. 22
A religião, por ser
apenas a manutenção dos dogmas, é uma área do discurso que não admite
progresso. p. 22-23
Precisamos, por fim,
reconhecer o preço que estamos pagando para manter a iconografia da nossa
ignorância. p. 23
E se todos os nossos
conhecimentos sobre o mundo desaparecessem de repente? Quais conhecimentos
gostaríamos de retomar primeiro? p. 24
E quando, nesse
processo de retomada da nossa condição humana, seria importante saber que Jesus
nasceu de uma virgem? p. 24
E como nós haveríamos
de reaprender essas verdades, se é que são de fato verdades? Lendo a Bíblia? Nosso passeio pelas prateleiras vai nos
fornecer pérolas semelhantes da Antiguidade. p. 24
Para quem daremos o
primeiro lugar no nosso mundo ressurreto? Jeová ou Shiva? p. 25
A maior parte daquilo
que atualmente consideramos sagrado só é sagrado por uma única razão: porque
foi considerado sagrada ontem. p. 25
A religião merece
crédito tanto pelas guerras de conquista como pelos dias festivos e pelo amor
fraternal. Mas em seu efeito sobre o mundo moderno a ideologia religiosa é
perigosamente retrógrada. p. 26
A fé representa um
mau uso absoluto do poder da nossa mente. p. 26-27
Quando imposta
novamente a cada nova geração, ela nos torna incapazes de perceber o quanto do
nosso mundo foi entregue, desnecessariamente, a um passado bárbaro e tenebroso.
p. 27
Nosso mundo está
sucumbindo rapidamente às atividades de homens e mulheres prontos a arriscar o
futuro da nossa espécie por confiar em crenças que não deveriam resistir sequer
a quatro anos de escola primária. p. 27
A religião continua
sendo uma fonte viva de violência hoje em dia, tal como sempre foi em qualquer
momento do passado. p. 27
Se a história revela
qualquer verdade categórica, essa verdade é que o desamor pelas provas
concretas traz à tona o pior que há entre nós. p. 28
O discurso deles é
tal que são capazes de instigar um entusiasmo suicida por esses assuntos, sem provas de espécie alguma. p. 28
Quando será que vamos
perceber que as concessões que já fizemos à religião no nosso discurso político
não nos deixam sequer falar a respeito, e muito menos extirpar, a principal
causa de violência na nossa história. p. 29
“Muitas mães foram
trespassadas por espadas diante de seus filhos. Jovens foram desnudadas e
estupradas em plena luz do dia, e depois... incendiadas. A barriga de uma
mulher grávida foi aberta a faca, e o feto levantado para o céu na ponta de uma
espada e depois atirado para uma das fogueiras que ardiam por toda a cidade.” –
C. W. Dugger, Religious riots loom over
Indian politics”, The New York Times, 27 de julho de 2002.
Esse não é um relato
medieval, nem tampouco uma história fictícia ocorrida na Terra Média. A
passagem acima descreve a violência que irrompeu entre hindus e muçulmanos na
Índia no inverno de 2002. p. 29
Nem é preciso dizer
que muitos muçulmanos são pessoas basicamente racionais e tolerantes, essas
virtudes modernas provavelmente não são produtos da sua fé. p. 30
O terrorismo não é
uma causa da violência, mas
simplesmente um dos seus caminhos. p. 30
Para perceber que
nosso problema é o próprio islã, e não meramente o “terrorismo”, basta
perguntar por que os terroristas muçulmanos fazem o que fazem. p. 30
Por que motivo 19
homens instruídos, de classe média, trocaram a vida neste mundo pelo privilégio
de matar milhares de nossos vizinhos? Porque acreditavam que iriam direto ao
paraíso por fazê-lo. p. 31
Por que então temos
sido tão relutantes em aceitar essa explicação? p. 31
Há alguma coisa que a
maioria dos americanos compartilham com Osama bin Laden, também acalentamos a
ideia de que é possível acreditar em determinadas afirmações fantasiosas sem
quaisquer provas que as sustentem. p. 31
As concessões que já
fizemos à fé religiosa nos tornaram incapazes até de nomear uma das causas mais
generalizadas de conflito no nosso mundo. p. 31
Aqui também a fé é a
mãe do ódio, como acontece sempre que as pessoas definem sua identidade moral
em termos religiosos. p. 33
Uma pessoa comum não
pode comemorar a morte violenta dos seus filhos, a menos que acredite em várias
coisas improváveis acerca do universo. p. 34
Se falarmos sobre os
instintos mais baixos da nossa natureza, um dos primeiros tópicos devia ser a
nossa disposição para viver, matar e morrer em nome de afirmações que não têm
nenhum respaldo de provas concretas. p. 34
Muitos muçulmanos
“moderados” afirmam que o Corão não ordena nada disso, e que o islã é uma
“religião de paz”. Contudo basta ler o próprio Corão para constatar que isso
não é verdade:
“profeta, guerreia contra os descrentes e os hipócritas, e trata-os com
rigor. O inferno será a morada deles: um mau destino”. (Corão 9,73)
“Crentes, guerreais contra os infiéis que vivem ao vosso redor.
Tratai-os com firmeza. Sabeis que Deus está com os justos”. (Corão 9,123)
p. 34
Uma vez que alguém é
muçulmano essa pessoa sentirá desprezo por qualquer homem ou mulher que duvidar
da veracidade dessas convicções. E mais, sentirá que a felicidade eterna dos
seus filhos está em perigo devido à mera presença desses descrentes sobre a
face da terra. p. 35
O fundamentalismo
religioso no mundo em desenvolvimento não é, principalmente, um movimento de
pessoas pobres e sem instrução. p. 35
Por que tantos
muçulmanos estão ansiosos para se transformar em bombas vivas? Porque o Corão
faz essa atividade parecer uma oportunidade de carreira. p. 35
Qualquer pessoa que
diga que as doutrinas do islã não têm nada a ver com o terrorismo está apenas
brincando com as palavras. p. 36
Sim, o Corão parece
dizer algo que pode ser interpretado como uma proibição ao suicídio – “Não
destruas a ti mesmo”. (4,29) –, mas deixa muitas brechas nessa lei, brechas tão
grandes que por elas pode até passar um 767. p. 36
A resposta apropriada
aos Bin Ladens deste mundo é corrigir a leitura que todas as pessoas fazem
desses textos, exigindo provas nos assuntos religiosos, tal como fazemos em
todas as outras áreas da vida. p. 38
Deus nos deu muito
mais razões para matar um ao outro do que para oferecer a outra face. p. 38
Como pode qualquer
pessoa ter a pretensão de saber que é desta ou daquela maneira que o universo
funciona? Ora, porque é isso que dizem os nossos livros sagrados. E como
sabemos que os nossos livros sagrados estão livres de erro? Porque os próprios livros dizem isso. p. 38
Existe muita coisa
sábia, consoladora e bela nos nossos livros sagrados. Mas também há muitas
palavras de sabedoria, consolo e beleza nas páginas de Shakespeare, Virgílio e
Homero, e ninguém jamais assassinou estranhos aos milhares devido a inspiração
que encontrou ali. p. 38-39
Deus (que, por
motivos misteriosos, fez de Shakespeare um escritor muito melhor do que Ele
mesmo) p. 39
Imagine um mundo em
que gerações de seres humanos passassem a acreditar que certos filmes foram feitos por Deus, ou que
determinado software foi programado por Ele. imagine um futuro no qual milhões
dos nossos descendentes assassinem uns aos outros por causa de interpretações
discordantes sobre Guerra nas estrelas
ou o Windows 98. Será que qualquer coisa – qualquer
coisa – pode ser mais ridícula? E, contudo, não seria mais ridícula do que
o mundo em que estamos vivendo agora. p. 39
Alguém que não caísse
nessa poderia supor que o homem, com seu medo de perder tudo aquilo que ama,
criou o céu, juntamente com o guardião das portas do céu, Deus, à sua própria
imagem. p. 40
Imagine que você foi
ao médico para fazer exames de rotina, e ele lhe dá uma notícia terrível: você
contraiu um vírus que mata 100% das pessoas infectadas. Esse vírus mutante se
transforma tão depressa que o seu rumo é totalmente imprevisível. Ele pode
ficar latente por muitos anos, até mesmo décadas, ou então pode matar você de
imediato, dentro de uma hora. Pode causar infarto, derrame, inúmeras formas de
câncer, demência mental e até suicídio; de fato, parece que não há limites para
os seus estágios terminais. E, quanto às estratégias para evitar isso – boa
alimentação, cuidados com a saúde, ficar de cama –, nada adianta. Pode ter
certeza de que, mesmo se vivesse sem nenhum outro propósito além de manter esse
vírus sob controle, você acabará morrendo, pois não há nenhuma cura à vista
para ele, e a deterioração do seu corpo já começou.
Decerto a maioria das
pessoas haveria de considerar esse diagnóstico uma notícia terrível – mas seria
mesmo uma novidade? O fato de que a morte é inevitável não é um prognóstico
exatamente igual? E a vida em si não tem todas as características desse vírus
hipotético. p. 40-41
Nosso sentimento da
realidade parece não incluir a nossa própria morte. Nós duvidamos da única
coisa que não admite a menor dúvida. p. 42
O conceito de cada um
sobre a vida após a morte tem consequências
diretas sobre sua visão de mundo. p. 42
Mas a moderação
religiosa continua não criticando as certezas alheias nada razoáveis (e até
perigosas). p. 43
Na nossa próxima
eleição presidencial, um ator que lê a Bíblia regularmente derrotaria, quase
com certeza, um cientista, físico ou astrônomo que não a lê. p. 43
Não há motivo para
que a nossa capacidade de nos sustentar emocional e espiritualmente, não possa
evoluir junto com a tecnologia, a política e o restante da cultura. p. 44
A máxima que diz que
“Alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias” continua sendo um
guia razoável. p. 45
Um saudável ceticismo
científico é compatível com uma atitude fundamental de manter a mente aberta. p.
45
De fato, “somos
feitos do mesmo material de que são feitos os sonhos”, como diz Shakespeare em A tempestade. Desperto ou sonhando,
nosso cérebro está envolvido, basicamente, com a mesma atividade. p. 46
Por vezes as pessoas
têm experiências corretamente definidas como psicóticas. p. 47
O fato de que a
maioria de nós prefere o amor ao medo, ou considera a crueldade errada, não é
mais misterioso do que concordarmos em nossos julgamentos sobre o tamanho
relativo dos objetos, ou sobre o sexo de alguém a partir do rosto. p. 47
A razão, aplicada
como antisséptico, mesmo em grandes quantidades, não pode competir com o
bálsamo da fé. Isso tem levado muita gente à conclusão, errônea, de que os
seres humanos têm necessidades que só a crença em certas ideias fantásticas
pode satisfazer. p. 48
Não precisamos ser
irracionais para encher nossa vida de amor, compaixão, êxtase e admiração. p. 49
Crenças e convicções
não pertencem, e nunca pertenceram, apenas à esfera privada. p. 49
No mesmo instante em
que um cirurgião deixar de lado seus instrumentos e tentar suturar o paciente
com uma oração, ou que um piloto tentar aterrissar um jato de passageiros
apenas repetindo a palavra “Aleluia”, passaremos do domínio da fé pessoal para
um tribunal de justiça. p. 49
Certas convicções são
intrinsecamente perigosas. p. 50
Chegou a hora de
admitirmos, desde os reis e presidentes até a população comum, que não há
provas de que qualquer livro tenha sido escrito pelo criador do universo. p. 50
Os moderados
religiosos são, em grande parte, responsáveis pelos conflitos religiosos no
nosso mundo, pois as suas convicções fornecem
o contexto no qual a interpretação literal das Escrituras e a violência
religiosa não podem jamais ser adequadamente contrapostos. p. 50
Qualquer exercício
sustentável da razão deve, necessariamente, transcender os limites nacionais,
religiosos e étnicos. p. 51
Ao acreditarem
intensamente, sem provas, eles se isolam do mundo. p. 51
O fato de que no
Ocidente não estamos mais matando gente por crime de heresia demonstra que as
más ideias, mesmo que sagradas, não conseguem sobreviver para sempre à
companhia das boas ideias. p. 51
Será que os
muçulmanos deveriam, realmente, ter a liberdade de acreditar que o Criador do
universo se preocupa com o comprimento das saias? p. 52
Para perceber o
quanto a nossa cultura compartilha, hoje em dia, a irracionalidade da cultura
dos nossos inimigos, basta substituir “Deus” pelo nome de algum deus do Olimpo
cada vez que a palavra “Deus” aparecer em um discurso público. p. 52
Só a abertura às
evidências e à argumentação pode garantir um mundo em comum para todos. p. 54
Nunca foi difícil
encontrar-se com o Criador, mas daqui a cinquenta anos será facílimo não só
encontrá-lo, como também arrastar para esse encontro o resto da humanidade. p. 55
Falar simplesmente em
“memória” é quase o mesmo que falar em “experiência”. p. 57
A “liberdade de
crença” (em qualquer aspecto que não o sentido legal) é um mito. p. 57
Certas convicções
posicionam as pessoas que as adotam além do alcance de qualquer forma pacífica
de persuasão, ao mesmo tempo que as inspiram a cometer atos de extraordinária
violência. p. 59
Para que meu discurso
seja inteligível para os outros – e na verdade para mim mesmo –, minhas convicções acerca do
mundo devem ser basicamente coerentes. p. 61
Posso acreditar em
uma informação, ou então na outra – ou posso acreditar que não sei –, mas em
nenhuma circunstância é aceitável que eu acredite em ambas. p. 61
Nosso cérebro tem uma
capacidade limitada de armazenamento, um número finito de lembranças distintas
e um vocabulário finito, que fica em torno de 100 mil palavras, ou menos. p. 66
Não percebemos tanto
do mundo quanto pensamos, uma vez que grande parte de uma cena visual pode ser
subitamente alterada sem que notemos. p. 67
O filósofo irlandês
Espinosa achava que a crença e a compreensão eram idênticas, ao passo que a
descrença exige um ato subsequente de rejeição. p. 69
Nós monitoramos
continuamente as expressões enunciadas (tanto as nossas como as alheias), em
busca de erros. p. 69
Os seres humanos em
geral relutam em mudar de ideia, p. 69
O fato de que eu me
sentiria bem se existisse um Deus não me oferece a menor razão para acreditar
na existência de um Deus. p. 71
A aposta de Pascal, o
salto de fé de Kierkegaard e outros esquemas epistemológicos ilusórios não
resolvem o problema. p. 71
As crenças
religiosas, se quiserem representar convicções sobre a forma como o mundo é,
devem ser comprovadas como quaisquer outras. p. 71
Se nenhuma mudança
concebível no mundo puder fazer uma pessoa questionar suas convicções
religiosas, isso prova que suas convicções não estão levando em consideração
nenhum estado do mundo. E ela não poderia afirmar, portanto, estar representando o mundo, de forma nenhuma.
p. 72
Milhões de pessoas
estão dispostas a morrer por convicções sem justificativa, e aparentemente
outros milhões estão dispostas a matar por elas. p. 72
O fato de que as
crenças religiosas têm grande influência na vida humana não diz nada sobre a
sua validade. p. 73
[fé é] “A certeza das
coisas que esperamos, a convicção das coisas que não se veem” (Hebreus 11,1) p. 73
Vejamos agora como
isso funciona: sinto uma certa “convicção”, muito emocionante, de que Nicole
Kidman está apaixonada por mim. Como nós nunca nos encontramos, meus
sentimentos são a única prova dessa paixão. Então posso dizer: meus sentimentos
sugerem que Nicole e eu devemos ter uma ligação especial, até metafísica – se
não, como eu poderia ter esse sentimento? Decido então acampar em frente à casa
dela para me apresentar a ela. Vemos que esse tipo de fé é um negócio
problemático. p. 73
Claro que cada um é
livre para redefinir o termo “fé” da forma que achar conveniente e assim fazer
esse termo conformar-se a algum ideal místico ou racional. Mas essa não é a
“fé” que anima os fiéis há milênios. p. 74
A despeito dos
consideráveis esforços de homens que tentaram esconder a serpente à espreita
embaixo de cada altar, a verdade é que a fé religiosa é simplesmente uma
convicção injustificada em questões
de grande importância. p. 74
A ignorância é o
verdadeiro valor nesse domínio – “Bem aventurados os que não viram e creram” (João 20,29) p. 74
Diante de alguma
pequena evidência confirmatória, os fiéis se mostram tão atentos às provas
quanto os condenados. p. 75
Nenhuma mudança neste
mundo, ou no mundo em que eles vivem, poderia demonstrar a falsidade de muitas
de suas convicções fundamentais. Nem o Holocausto levou os judeus a duvidarem
da existência de um Deus onipotente e benevolente. p. 76
Todas as pretensões
de conhecimento teológico deveriam ser vistas agora da perspectiva de um homem
que estava começando seu dia no centésimo andar do World Trade Center na manhã
de 11 de setembro de 2001. p. 76
Os homens que
cometeram as atrocidades de 11 de setembro certamente não eram “covardes”, como
foram repetidamente descritos pela mídia ocidental, nem tampouco lunáticos em
qualquer sentido. Eram homens de fé – fé perfeita,
aliás – e isso, como se deve finalmente reconhecer, é uma coisa terrível. p. 77
O fato de que crenças
injustificadas podem ter uma influência consoladora sobre a mente humana não é
um argumento a favor delas. p. 77
Todos os credos estão
repletos de propostas terríveis e chocantes que não consolam ninguém. p. 77
Os fiéis, na verdade,
têm a verdade em alto apreço. As pessoas de fé se arrogam nada menos que o
conhecimento de verdades sagradas. Os fiéis nunca foram indiferentes à verdade;
e, contudo, o princípio da fé os deixa despreparados para distinguir a verdade
da falsidade nos assuntos que mais lhes importam. p. 78
Nós temos nomes para
definir pessoas que têm muitas convicções para as quais não há justificativa
racional. Se essas convicções forem extremamente comuns, chamamos essas pessoas
de “religiosas”; caso contrário, provavelmente serão chamadas de “loucas”,
“psicóticas” ou “delirantes”. p. 82
Embora as pessoas
religiosas não sejam, em geral, loucas, suas crenças fundamentais certamente
são. p. 82
O perigo da fé
religiosa é permitir que seres humanos normais possam colher esses frutos da loucura
e ainda considerá-los sagrados. p. 83
Quanto mais nos
educamos, mais as nossas convicções nos chegam de segunda mão. Uma pessoa que
só acreditar nas afirmações para as quais puder fornecer justificativas plenas,
sensoriais ou teóricas, não vai saber quase nada sobre o mundo. p. 84
Karl Propper já disse
que nós nunca provamos que uma teoria está certa; apenas não conseguimos provar
que está errada. p. 86
Afirmar que uma dada
teoria científica pode estar errada não quer dizer que está errada em todos os
seus detalhes, ou que alguma outra teoria tem a mesma chance de estar certa. p.
86
Sabemos que nenhuma prova poderia validar muitas das
crenças fundamentais do papa. p. 87
Talvez tenha chegado
a hora de exigirmos que nossos semelhantes tenham razões melhores para manter
suas diferenças religiosas, se é que essas razões existem. p. 89
O antissemitismo que
construiu os fornos crematórios, tijolo por tijolo – e que continua bem vivo
até hoje – chega até nós através da teologia cristã. Conscientemente ou não, os
nazistas foram agentes da religião. p.91
Capítulo dois – À sombra de Deus
Uma leitura do Velho
Testamento não só permite como exige que
os heréticos sejam condenados à morte. p. 94
Além de exigir de nós
obediência à risca a cada palavra da lei do Velho Testamento, parece que Jesus
sugeriu, em João 15, 6, outros refinamentos na prática de matar hereges e
incréus. p. 95
Claro que cada um
pode interpretar Jesus metaforicamente como quiser. Mas o problema das
Escrituras é que muitas de suas possíveis interpretações (inclusive a maioria
das interpretações literais) podem ser usadas para justificar as maiores
atrocidades em defesa da fé. p. 95
A Santa Inquisição
começou formalmente em 1184, sob o papa lúcio III. p. 95
É importante lembrar,
para que a barbárie geral da época não nos deixe insensíveis ao horror desses
relatos históricos, que os agentes da Inquisição eram homens de Deus. p. 97
Sempre que um homem
supõe que basta acreditar na verdade de uma afirmação sem provas, ele se torna
capaz de qualquer coisa. p. 98
A Inquisição
espanhola só cessou sua perseguição aos hereges em 1834, mais ou menos na época
em que Charles Darwin partiu no Beagle e
que Michael Faraday descobriu as relações entre eletricidade e magnetismo. p.
98-99
Embora os reformistas
protestantes tenham rompido com Roma por uma série de razões, sua maneira de
tratar seus semelhantes não era menos vergonhosa. p. 99
Will Durant: A
intolerância é a companheira natural da fé vigorosa; a tolerância só viceja
quando a fé perde certeza; a certeza é assassina”. p. 99-100
O casamento entre a
razão e a fé coloca a sociedade numa rápida descida ladeira abaixo, com
confusão e hipocrisia no topo e os tormentos do inquisidor esperando embaixo.
p. 100
As bruxas
provavelmente nem sequer existiam, e o número das mulheres assassinadas por
essa acusação chega talvez a 40 mil ou 50 mil em trezentos anos. p. 101
Os relatos se
assemelham, prisão com base em acusações sem prova; tortura para extrair
confissões; confissões consideradas inaceitáveis até que os cúmplices fossem
apontados; morte em fogo lento; prisão dos novos acusados. p. 101
Entre os muitos
desastres que podiam se abater sobre uma pessoa no curso de sua curta e difícil
vida, os cristãos medievais temiam, em especial, que um vizinho pudesse lançar
um feitiço e assim destruir sua saúde ou boa sorte. Só o advento da ciência
veio invalidar essas ideias e as fantásticas demonstrações de crueldade que
elas originaram. p. 102
E foi assim que,
durante séculos, homens e mulheres culpados de nada mais do que serem feios,
velhos, viúvas ou doentes mentais foram condenados por crimes inverossímeis e
assassinados em nome de Deus. p. 103
A Igreja só condenou
oficialmente o uso da tortura no papado de Pio VII, em 1816. p. 106
Qualquer que seja o
contexto, o ódio aos judeus é um produto da fé: a cristã, a muçulmana e também
a judaica. p. 106
A gravidade do
sofrimento dos judeus ao longo dos séculos, culminando com o Holocausto, torna
quase impossível considerar que eles próprios tenham causado esses problemas
para si mesmos. No entanto, em um sentido específico, isso é verdade. p. 107
O dogma do “povo
escolhido”, embora seja pelo menos implícito na maioria das crenças, atingiu no
judaísmo uma intensidade desconhecida no mundo antigo. p. 107
Se, por um lado, a
demonização explícita dos judeus, como povo, exigiu a loucura da Igreja cristã,
a ideologia do judaísmo continua sendo um para-raios que atrai a intolerância
até os dias de hoje. p. 107
Os judeus religiosos
creem ter uma aliança única com Deus. Em consequência, passaram os últimos 2
mil anos colaborando com os que os veem como diferentes, ao se considerarem de
fato diferentes. p. 108
Os colonos judeus, ao
exercerem sua “liberdade de crença” em territórios disputados, são hoje o
principal obstáculo à paz no Oriente Médio. p. 108
Jesus era judeu,
claro, assim como sua mãe. Todos os seus apóstolos também eram judeus. Não há
nenhuma evidência a não ser nos tendenciosos escritos da Igreja surgidos
depois, de que Jesus jamais tenha se considerado outra coisa a não ser um judeu
entre judeus, buscando a realização do judaísmo. p. 108
Parece quase certo
que o dogma cristão do parto virgem, e boa parte da ansiedade resultante a
respeito do sexo tenham resultado de uma tradução errada do original hebraico.
p. 109
Pode-se dizer que a
civilização ocidental aguentou dois milênios de neuroses sexuais santificadas
simplesmente porque os autores dos evangelhos de Mateus e Lucas sabiam ler
hebraico corretamente. p. 109
A ênfase em milagres
no Novo Testamento, juntamente com as tentativas de fazer a vida de Jesus
corresponder às profecias do Velho Testamento, revelam o compromisso dos
primeiros cristãos, ainda que hesitante, de fazer sua fé parecer racional. p. 110
O “salto de fé” é, na
verdade, uma ficção. Nenhum cristão, nem mesmo os do século I, jamais se
satisfez com isso. 110
Santo Agostinho,
sempre dado a sectarismos, festejou a subjugação dos judeus e sentiu-se
especialmente deliciado ao saber que eles foram condenados a vagar pela terra.
p. 113
A doutrina da
transubstanciação foi formalmente estabelecida em 1215, no Quarto Concílio de
Latrão (o mesmo que sancionou o uso da tortura pelos inquisidores e proibiu os
juseus de possuírem terras ou seguirem carreiras civis e militares). p. 114
Cristãos começaram a
temer que esses biscoitos vivos pudessem ser submetidos a todo tipo de
maus-tratos, e até mesmo tortura física, nas mãos de hereges e judeus. (Pode-se
conjecturar por que ser comido não
seria um tormento para o corpo de Jesus). p. 114
Relatos históricos
sugerem que cerca de 3 mil judeus foram assassinados devido a uma única acusação por esse crime
imaginário. p. 114
A ascensão do nazismo
na Alemanha exigiu muito de “lealdade sem críticas”. p.115
Embora na Alemanha o
ódio aos judeus se expressasse de uma forma predominantemente secular, ele foi
um legado direto do cristianismo medieval. p. 116
Nada menos que dois
terços dos que propunham oferecer “soluções” para o “problema judeu” defendiam
abertamente o extermínio físico dos judeus – e isso, como observa Goldhagen,
várias décadas antes da ascensão de Hitler. p. 117
Com a aprovação das
leis de Nuremberg em 1935, a transformação do antissemitismo alemão estava
completa. Os judeus passaram a ser considerados uma raça. p. 117-118
E é aqui que
encontramos a cumplicidade aberta da Igreja na tentativa de assassinar todo um
povo. p. 118
E as igrejas alemãs,
para manter a ordem, foram por fim obrigadas a imprimir folhetos advertindo os
fiéis a não atacarem os judeus convertidos durante
o serviço religioso. p. 118
A cumplicidade mais
sinistra da Igreja ocorreu quando ela decidiu abrir, voluntariamente, seus
registros genealógicos para os nazistas, possibilitando assim rastrear a
ancestralidade judaica de qualquer pessoa. p. 118
Goldhagen também nos
lembra que nem um único católico alemão foi excomungado antes, durante ou
depois da guerra, “depois de cometerem crimes iguais aos maiores na história da
humanidade. p. 119
Nem um único
perpetrador do genocídio conseguiu fazer o papa Pio XII franzir o cenho em uma
atitude de censura. p. 119
Embora nenhum membro
do Terceiro Reich – nem sequer o próprio Hitler – jamais tenha sido
excomungado, Galileu só foi absolvido por sua heresia em 1992. p. 120
Querer saber como é o
mundo nos deixa vulneráveis a novas evidências. Não é por acaso que a doutrina
religiosa e investigação honesta raramente andam juntas no nosso mundo. p. 121
É bem sabido que
certas autoridades do Vaticano ajudaram membros da SS a fugir para a América do
Sul e para o Oriente Médio depois da guerra. p. 121
Membros do Vaticano
também ajudaram judeus a fugir. É verdade. Mas também é verdade que essa ajuda
dependia de saber se os judeus em questão tinham sido batizados ou não. p. 121
O fato de que certas
pessoas realizam atos heroicos de bondade inspirados nos ensinamentos de Cristo
não implica que seja sábio, ou necessário, acreditar que ele, exclusivamente,
era o filho de Deus. p. 121
Não é preciso
acreditar em nada que não seja devidamente comprovado para sentir compaixão
pelo sofrimento dos outros. Nossa condição humana já é razão suficiente. A
intolerância genocida, por outro lado, precisa sempre encontrar inspiração em
outras partes. p. 121-122
Sempre que você ficar
sabendo que pessoas começaram a matar civis de maneira intencional e indiscriminada,
pergunte a si mesmo qual dogma elas estão seguindo. No que esses novos
assassinos acreditam? Você descobrirá
que é sempre – sempre – em alguma
coisa absurda e irracional. p. 122
A história do
cristianismo é basicamente a história da desgraça e da ignorância da espécie
humana, e não do seu amor por Deus. p. 122
Embora o cristianismo
tenha poucos inquisidores vivos atualmente, o islã tem muitos. É como se um
portal no tempo tivesse sido aberto e hordas do século XIV estivessem se
despejando no nosso mundo. Infelizmente, agora, elas estão equipadas com armas
do século XXI. p. 122
Existem crenças boas
e crenças más – e deve agora ser óbvio para todos que os muçulmanos estão bem
mais próximos destas últimas. p. 123
Estudiosos muçulmanos
inventaram a álgebra, traduziram os escritos de Platão e Aristóteles e deram
importantes contribuições para diversas ciências nascentes numa época em que os
cristãos europeus chafurdavam na mais profunda ignorância. p. 123
Pessoas de fé criaram
quase tudo que tem valor no nosso mundo. também todas as conquistas humanas
anteriores ao século XX foram realizadas por homens e mulheres que ignoravam
por completo a base molecular da vida. Será que isso sugere que valeria a pena manter
as ideias que a biologia tinha no século XIX. p. 124
O fato de que a fé
religiosa deixou sua marca em todos os aspectos da nossa civilização não é um
argumento a seu favor. p. 124
Um futuro em que o
islã e o Ocidente não estejam mais à beira da aniquilação mútua é um futuro em
que a maioria dos muçulmanos terá aprendido a ignorar a maior parte do seu
cânone, e que a maioria dos cristãos tenha feito o mesmo. p. 125
As pessoas que
acreditam que o islã deve comandar cada dimensão da existência humana, inclusive
a lei e a política, hoje são geralmente chamadas não de “fundamentalistas” nem
de “extremistas”, mas de islamitas. p. 126
O islã moderado – realmente moderado, realmente crítico em relação à irracionalidade muçulmana – parece
quase inexistente. E, se existe, está conseguindo se esconder da mesma forma
que fizeram os moderados cristãos no século XIV (e por razões semelhantes).
Zakaria observa que
os muçulmanos que vivem no Ocidente em geral se mostram tolerantes para com as
crenças alheias. Qual a minoria, mesmo radical, que não é “tolerante” para com
a maioria? p. 131
O cristianismo e o
judaísmo também podem ditar esse mesmo comportamento intolerante, mas já há
séculos nenhum dos dois o faz. No entanto, sob o islã ele é uma realidade
atual. p. 133
Se você acredita no
que o Corão diz que é necessário acreditar a fim de escapar do fogo do inferno,
você terá, no mínimo, simpatia pelas ações de Osama bin Laden. p. 133-134
Qualquer um que leia
passagens como as citadas acima e ainda assim não veja a ligação entre a fé
muçulmana e a violência muçulmana deveria consultar um neurologista. p. 141
O islã tem todos os
componentes de um consumado culto à morte. p. 141 [O cristianismo também!]
O ponto-chave para os
aspirantes a mártires parece ser o seguinte: contanto que você mate infiéis ou
apóstatas “em defesa do islã”, Alá não se importa se você se suicidar durante o
processo. p. 142
O povo mais
sexualmente reprimido do mundo atual se sente atraído para o martírio devido a
uma concepção de paraíso que mais lembra uma pintura de bordel. p. 146
O paraíso descrito
não indica nada sobre o pós-vida, mas indicam muito sobre os limites da
imaginação humana. p. 146
Os ideais de martírio
e de jihad atropelam a lógica que
permitiu aos Estados Unidos e à União Soviética passarem meio século
empoleirados, com certa estabilidade, à beira do Armagedom. p. 147
Acabo de descrever um
cenário plausível, no qual boa parte da população mundial poderia ser
aniquilada devido a ideias religiosas que pertencem à mesma prateleira que o
Batman, a pedra filosofal e os unicórnios. p. 148
“O islã tem
fronteiras ensanguentadas” – Samuel Huntington. p. 149
Claro que nem só o
islã é suscetível a passar por essa horrível transformação, embora esteja,
neste momento da história, em uma ascensão sem paralelo. p. 150
Todos os homens e
mulheres de bom senso têm um inimigo comum. É um inimigo tão próximo de nós, e
tão enganador, que nós os respeitamos mesmo quando ameaça destruir a própria
possibilidade da felicidade humana. Nosso inimigo não é nada mais, nada menos
que a própria fé. p. 150
Será que alguém pode
citar algo mais ofensivo para a dignidade muçulmana do que a própria lei
islâmica? p. 151
Não há dúvida de que
a nossa conivência com tiranos muçulmanos – no Iraque, Síria, Argélia, Irã,
Egito e em outros lugares – é digna de desprezo. p. 151
A pobreza e a falta
de escolaridade têm papel importante em tudo isso, e esse problema não tem
soluções simples. p. 152
Esse grau de
isolamento e atraso é chocante, mas não deve nos levar a acreditar que a
pobreza e a falta de instrução são as raízes do problema. p. 152
Os militantes do
Hezbollah que morrem em operações violentas em geral não provêm de famílias pobres. p. 153
Os líderes do Hamas
são todos formados em universidades, alguns com diploma de mestrado. p. 153
Enquanto for
aceitável que alguém acredite saber exatamente de que forma Deus quer que todos
vivam neste mundo, vamos continuar a assassinar uns aos outros por conta dos
nossos mitos. p. 153
Muitos liberais
ocidentais, supondo que todos os povos são animados pelos mesmos desejos e
temores, culpam seus próprios governos pelos excessos do terrorismo muçulmano.
p. 154
Gente é gente em todo
lugar, e não é possível que pessoas se comportem tão mal assim, a não ser que tenham boas razões para isso. [e eles
têm! O deus conivente e assassino] . p. 155
O problema é que
certas convicções não conseguem sobreviver com a proximidade de outras. p. 155
Existem outras
ideologias capazes de eliminar toda a sensatez do discurso de uma sociedade,
mas o islã sem dúvida é uma das melhores. p. 157
Sem dúvida não faltam
exemplos de líderes políticos que evocam a religião por razões puramente
pragmáticas, e até mesmo cínicas. Mas não devemos extrair daí uma dição errada.
Uma alavanca só funciona se estiver apoiada em alguma coisa. p. 157
Quando um grande
número de pessoas começa a se transformar em bombas humanas, ou oferece seus
filhos como voluntários para limpar campos minados, a justificativa desses atos
deixou de ser apenas política. p. 157
A Bíblia também é um
grande reservatório de intolerância, tanto para cristãos como para judeus. p.
158
O problema sempre é
colocado em todo lugar, menos no cerne da fé muçulmana. p. 158
Os Estados Unidos têm
muitos erros a expiar, tanto na esfera doméstica como no exterior. Para
fabricar em casa essa receita terrível, é só começar pelo tratamento genocida
que demos aos americanos nativos, acrescentar dois séculos de escravidão e
nossa recusa em receber refugiados judeus que escapavam dos campos de morte do
terceiro Reich, misturar às nossas alianças com uma longa lista de déspotas
modernos e a maneira como depois fechamos os olhos para seu abominável
desrespeito aos direitos humanos, juntar o bombardeio do Camboja e os
Documentos do Pentágono para dar mais sabor, e recobrir com nossa recusa em
assinar o protocolo de Kyoto contra as emissões de gases de efeito estufa,
nossa firme posição contra a proibição de minas terrestres e nossa recusa a nos
submetermos às leis do Tribunal Penal Internacional. O resultado deve cheirar a
morte, hipocrisia e enxofre. p. 161
O filósofo Peter
Unger afirma, de modo convincente, que cada dólar que gastamos em qualquer
coisa que não seja absolutamente essencial para nossa sobrevivência é um dólar
manchado com o sangue de alguma criança faminta. p. 163
O governo dos Estados
Unidos conferiu a si mesmo o direito e a liberdade de assassinar e exterminar
as pessoas “para o próprio bem delas”. p. 163
Imaginar como teria
sido qualquer um de nossos recentes conflitos se possuíssemos armas perfeitas.
p. 164
Como teria procedido
George Bush na recente guerra no Iraque com armas perfeitas? p. 164
O que fariam Saddam
Hussein ou Osama bin Laden com armas perfeitas? p. 165
Nem todas as culturas
estão no mesmo estágio de desenvolvimento moral. p. 165
Imagine os brutos e
incultos americanos de 1863 de posse de armas químicas, biológicas e nucleares.
Essa é mais ou menos a situação que enfrentamos hoje em boa parte dos países em
desenvolvimento. p. 165 [?]
O massacre de My Lai
é lembrado como um momento de grande vergonha para o Exército americano. Mesmo
na época, soldados americanos ficaram mudos de horror ante o comportamento dos
seus camaradas. p. 166
Enquanto cultura, é
bem claro que nós superamos nossa antiga tolerância para com a tortura e o
assassinato deliberado de inocentes. A maior parte do mundo ainda não fez isso.
p. 166
Sempre que houver
respostas certas e erradas para questões importantes, haverá formas melhores e
piores para se chegar a essas respostas, e formas melhores e piores de
colocá-las em prática. p. 167
Isso não quer dizer
que sempre haverá uma única resposta certa para cada pergunta,
ou uma única melhor forma de alcançar cada objetivo. Porém, o leque de soluções
mais favoráveis para qualquer problema em geral será bem limitado. p. 167
Entre matar uma
criança intencionalmente por causa do efeito que se espera produzir nos pais
(chamamos isso de “terrorismo”), e matar uma criança sem querer, na tentativa
de capturar ou matar um declarado assassino de crianças (chamamos isso de
“danos colaterais”). Em ambos os casos uma criança foi morta, e em ambos os
casos há uma tragédia. Mas o status ético dos atacantes, sejam eles indivíduos
ou Estados, não poderia ser mais diferente. p. 168-169 [será mesmo? Sempre e em
todo caso?].
Quando se trata de
ética, a intenção é tudo”. p. 169 [o problema é que as intenções nem sempre são
claras para todos, não é?]
Mas a “ascensão do
fundamentalismo islâmico” só é um problema porque os fundamentalistas do islã são um problema. p. 170
Poucas formas para a
tirania são mais poderosas do que “obedecer à lei de Deus” . p. 170-171
Se tudo que é bom nas
religiões pode ser encontrado em outras partes, então todo o resto da nossa
atividade religiosa representa, na melhor das hipóteses, um enorme desperdício
de tempo e energia. p. 171
Quantas horas de
trabalho humano serão devoradas hoje por um Deus imaginário? p. 171-172
A fé se tornou
bastante moderada no Ocidente mas, mesmo assim, a religião continua tendo
garras muito longas. As manifestações mais dóceis do cristianismo hoje colocam
obstáculos insuperáveis à prevenção da AIDS e ao planejamento familiar no mundo
em desenvolvimento, assim como obstruem a pesquisa médica e o desenvolvimento
de uma política de drogas racional. p. 172-173
O que constitui uma
sociedade civil? No mínimo, é um lugar em que as ideias – ideias de todos os
tipos – podem ser criticadas sem risco de violência física. p. 173
Algo parecido com um
braço militar da ONU que seja forte e bem financiado, juntamente com critérios
claros para intervenções e um tribunal internacional que possa autorizá-las.
Ou, dito de uma forma ainda mais simples: precisamos de um governo mundial. p.
174
Em vista do que a
maioria das pessoas acredita acerca de Deus, é impensável, no momento atual,
que os seres humanos algum dia cheguem a se identificar simplesmente como seres humanos, descartando outras filiações menores. p. 175
Não parece exagero
afirmar que o destino da civilização está, em boa parte, nas mãos dos
muçulmanos “moderados”. p. 175
Os fundamentalistas
cristãos apoiam Israel porque acreditam que a consolidação final do poder
judaico na Terra Santa trará a Segunda Vinda de Cristo e também a destruição
final dos judeus. p. 178
Roy Moore, presidente
do Supremo Tribunal do Alabama, achou que seria eficiente erigir um monumento
aos dez mandamentos na rotunda do tribunal estadual. 78% dos pesquisados eram
contra a remoção do monumento. É de se pensar se Roy Moore, John Ashcroft, o
Congresso e três quartos do povo americano gostariam de ver os castigos por não cumprir esses santos
mandamentos especificados também gravados no mármore e colocados nos tribunais
do país. p. 178-179
É notável que sejamos
o último país civilizado a condenar os “malfeitores” à morte, e o juiz Scalia
atribui isso, com razão, ao nosso estilo de religiosidade. p. 182
Parece razoável
afirmar que os homens e as mulheres que estão no corredor da morte têm maus
genes, ou então maus pais, ou más ideias, ou má sorte. Por quais desses
componentes eles são responsáveis? p. 182-183
Sem dúvida, há um
importante debate a ser travado, na esfera secular, sobre a ética da pena de
morte; mas é óbvio que devemos buscar fontes que mostrem mais compreensão da
mente humana e da sociedade moderna do que as palavras de são Paulo. p. 183
Comportamentos como o
uso de drogas, prostituição sodomia e olhar materiais obscenos foram
classificados como “crimes sem vítimas”. Por que alguém desejaria punir quem se
envolve em comportamentos que não implicam nenhum risco significativo de
prejudicar ninguém? A ideia de crime sem vítima não passa da versão judicial da
noção cristã de pecado. p. 184
A própria noção de
privacidade é incompatível com a existência de Deus. p. 185
Não é necessário ser
demógrafo para entender que o impulso de processar criminalmente pessoas
adultas que realizam, de livre e espontânea vontade, comportamentos sexuais não
reprodutivos se correlaciona fortemente com a fé religiosa. p. 186
O prazer e a
religiosidade sempre tiveram uma relação desconfortável. p. 186
Qualquer coisa que
possa eclipsar uma oração, ou a sexualidade reprodutiva, como fonte de prazer é
considerada fora da lei. p. 186
A preocupação com a
saúde dos nossos cidadãos, ou com sua produtividade, é uma mera cortina de
fumaça nesse debate, como atesta a legalidade do álcool e do cigarro. p. 186
Como droga, a maconha
é quase um caso à parte devido ao fato de ter várias aplicações medicinais, e
por não apresentar uma dose letal comprovada. Seu papel como “portal de outras
drogas” parece menos plausível do que nunca (e nunca foi plausível). Quem
tentar argumentar seriamente que a maconha deve ser proibida devido ao seu
risco para os seres humanos verá que os poderes do cérebro humano são
insuficientes para elaborar essa argumentação. p. 187
Mais pessoas são
presas por uso de drogas sem violência nos Estados Unidos do que são
encarceradas, por qualquer razão, em toda a Europa ocidental que tem uma
população maior. p. 188
É bem sabido, por
exemplo, que a experiência com a proibição de álcool nos Estados Unidos só
conseguiu precipitar uma terrível farsa de aumento no consumo de bebidas, crime
organizado e corrupção policial. Mas falta lembrar que a Lei Seca foi um fato
explicitamente religioso. p. 189
É a própria proibição
que torna tão lucrativa a produção e a venda de drogas. p. 189
Os crimes cometidos
pelos adictos para financiar o custo estratosférico de seu estilo de vida e os
crimes cometidos pelos traficantes para proteger seus territórios e seus bens
também são resultado da proibição. p. 190
Nossa guerra contra o
pecado é tão ridiculamente tola que está praticamente além de qualquer
comentário racional. p. 191
Sob perspectiva da
fé, é melhor macaquear o comportamento dos nossos ancestrais do que encontrar
formas criativas de descobrir novas verdades no presente. p. 191
Há outras fontes de
irracionalidade que não as religiosas, claro; mas nenhuma delas é louvada por
seu papel de formação de políticas públicas. A fé religiosa obscurece a
incerteza ali onde a incerteza existe, permitindo que o desconhecido, o
implausível e o indiscutivelmente falso ganhem primazia sobre os fatos. p. 192
Levando-se em conta o
potencial de uma célula, cada vez que
o presidente coça o nariz ele está realizando uma diabólica eliminação de
almas. p. 193
Certamente causamos
mais sofrimento nessa terra matando uma mosca do que matando um blastócito
humano, e muito menos um zigoto humano (afinal, as moscas têm 100 mil células
só no cérebro). p. 194
Só na área das
políticas públicas, as acomodações que já fizemos para preservar a fé terão
como resultado sacralizar a imensidade do sofrimento humano, pelas décadas que
virão. p. 194
Sob a influência da
ideia cristã de que é pecado fazer sexo antes do casamento, o governo dos
Estados Unidos exigiu que um terço de sua verba para prevenção da AIDS alocada
à África seja desperdiçada ensinando abstinência, e não o uso do preservativo.
p. 194-195
Como observou
Nicholas Kristof, “o sexo mata, e esse puritanismo envergonhado também mata”.
p. 195
A religião separa,
incisivamente, a ética do sofrimento. Os religiosos insistem que ações que não
causam nenhum sofrimento são malignas, e, contudo, onde o sofrimento e a morte
se encontram em abundância, em geral seus motivos são considerados virtuosos.
Essa inversão de prioridades não só vitima pessoas inocentes e desperdiça
recursos escassos como também falsifica completamente a nossa ética. p. 196
Será que a diferença
entre o bem e o mal depende apenas da definição dada por um determinado grupo
de seres humanos? p. 197
Uma abordagem
racional da ética só se torna possível quando percebemos que as questões sobre
o certo e o errado são, na verdade, questões sobre a felicidade e o sofrimento
dos seres sencientes. p. 198
Chegou a hora de
reconhecer que um crime sem vítima é como uma dívida sem credor. É algo que nem
sequer existe. p. 198
Se há respostas
certas e erradas para perguntas éticas, será melhor buscar essas respostas na
nossa vida presente. p. 199
A ideia generalizada
de que, de alguma forma, a religião é a fonte
de nossas mais profundas intuições éticas é absurda. p. 199
Até mesmo os macacos
escolhem passar por extraordinárias provações para não prejudicar algum outro
membro da sua espécie. A preocupação com os outros não foi invenção de nenhum
profeta. p. 199
Nós simplesmente não
precisamos de ideias religiosas para nos motivar a viver a vida com ética. p.
199-200
As realidades
biológicas simplesmente não combinam com um Deus arquiteto do design da
natureza, nem tampouco com um Deus bondoso. p. 200
Vale a pena lembrar
que, se Deus criou o mundo e tudo que nele há, ele também criou a varíola, a
peste e a filariose. Qualquer pessoa que soltasse, intencionalmente esses
horrores sobre a face da Terra seria reduzida a pó por esses crimes. p. 200
Um estudo detalhado
de nossos livros sagrados revela que o Deus de Abraão é um sujeito ridículo –
caprichoso, petulante e cruel –, e fazer um pacto com ele não garante a saúde
nem a felicidade. p. 201
Se essas são as
características de Deus, então vemos que os piores elementos da sociedade
foram, realmente, criados à sua imagem e semelhança – mais, até, do que
poderíamos esperar. p. 201
O problema de
justificar um Deus onipotente e onisciente diante da presença do mal (chamado,
tradicionalmente, de problema de teodiceia) é insuperável. Os que alegam ter
superado a questão apelando para noções de livre-arbítrio, ou outras
incoerências, simplesmente juntaram uma filosofia deficiente a uma ética
deficiente. De certo há de chegar um tempo em que reconheceremos o óbvio: hoje
a teologia não passa de um ramo da ignorância humana. Na verdade, é a
ignorância com asas. p. 201
Será que os grilos
sofrem? Parto do princípio de que essa pergunta é coerente e que ela tem uma
resposta, mesmo que jamais sejamos capazes de dar essa resposta. p. 202
Enquanto não
compreendermos melhor a relação entre o cérebro e a mente, nosso julgamento
sobre o sofrimento animal permanecerá relativamente cego e dogmático. p. 203
Assim como os
defeitos na percepção das cores podem resultar de disfunções genéticas e de
desenvolvimento, também pode haver problemas nos nossos circuitos éticos e
emocionais. p. 203
A maioria das nossas
religiões, não dá apoio a uma genuína investigação da moral, assim como não dá
apoio a uma investigação científica, de modo geral. p. 204
“O que pode ser
afirmado sem provas também pode ser descartado sem provas” – Christopher
Hitchens. p. 204
Em vez de encontrar
as verdadeiras razões para a solidariedade humana, a fé nos oferece uma
solidariedade nascida de ficções tribais, ou destinada a promover o tribalismo.
p. 204-205
“Se tudo fosse
questão de sentir dor, proteger os coelhos contra as raposas seria tão
importante quanto proteger os judeus contra os nazistas” – Richard Rorty. p.
205
Como especificar os
critérios de inclusão na nossa comunidade moral? Seja qual for a resposta, ela
deverá refletir nossas noções sobre a possível subjetividade das criaturas em
questão. p. 206
Muitos intelectuais
falam como se algo tivesse acontecido no último século de raciocínio no
Ocidente que colocou todas as visões de mundo mais ou menos em pé de igualdade.
p. 207
As afirmações desse
tipo geralmente levam o nome de “relativismo”, e parecem oferecer uma
justificativa para não se dizer nada de muito crítico em relação às convicções
alheias. p. 207
O relativismo moral,
quando empregado como justificativa para a tolerância e a diversidade, é uma
contradição. p. 208
Se concordarmos, por
exemplo, que apedrejar as mulheres adultas é realmente errado, errado em qualquer sentido absoluto –, temos que
encontrar razões profundas para rejeitar o pragmatismo. p. 208
Ser um realista ético
é acreditar que na ética, assim como na física, existem verdades esperando para
serem descobertas. p. 210
Diz Jürgen Habermas,
“uma vez que a verdade das convicções ou das frases só pode ser justificada com
a ajuda de outras convicções e outras frases, não podemos nos livrar do círculo
mágico da nossa linguagem”. É uma proposição engenhosa. Mas será verdadeira? p.
210
O pragmatismo se
resume a uma negação realista da
possibilidade do realismo. p. 211
É concebível que
todos possam concordar, e mesmo assim estar errados, sobre a forma como o mundo
é. É também concebível que uma única pessoa possa estar certa em face de uma
posição unânime. p. 211
Nossa investigação fica
sempre em aberto; mas isso não significa que não haja fatos reais a serem
conhecidos; e, sem dúvida, algumas das respostas que temos à mão são,
realmente, melhores do que outras. p. 211
O termo “intuição”
sempre teve um cheiro de algo impróprio no discurso científico e também no
filosófico. p. 212
É falsa a tradicional
oposição entre razão e intuição: a própria razão é intuitiva. p. 212
Também é verdade que
nossa intuição pode falhar. p. 223
Qual seria a
espessura de um pedaço de jornal se fosse dobrado sobre si mesmo cem vezes
seguidas? A maioria de nós imagina algo do tamanho de um tijolo. Mas um pouco
de aritmética revela que esse objeto teria a espessura de todo o universo
conhecido. p. 213
A única maneira que
temos de criticar o conteúdo intuitivo do pensamento mágico é recorrer ao
conteúdo intuitivo do pensamento racional. p. 214
O fato de as boas
ideias serem compreendidas intuitivamente não significa que as más ideias sejam
mais respeitáveis. p. 214
A ética é mais que a
mera constatação de que não estamos sozinhos no mundo. Para que a ética seja
importante para nós, a felicidade e o sofrimento alheios também devem ser
importantes para nós. p. 214-215
A descoberta de que a
natureza parece ter levado em conta nossa intuição ética na seleção natural é
importante apenas para mostrar o equívoco da falácia onipresente de que essa
intuição é, de alguma forma, produto da religião. Mas a natureza também
preservou, pela seleção natural, muitas outras coisas que deveríamos ter
deixado para trás nas selvas da África. p. 215
Muita coisa que é
“natural” na natureza humana está em conflito com o que é “bom”. p. 216
Como observa Steven
Pinker, se realmente vivêssemos o mundo do ponto de vista dos genes, “os homens
fariam fila diante dos bancos de esperma e as mulheres rezariam para poder doar
seus óvulos para casais estéreis”. Não é assim que a maioria de nós busca a
felicidade neste mundo. p. 216
Francis Bacon disse
acertadamente que quem tem filho se torna refém do destino. p. 216
Tratar os outros de
forma ética é agir levando em conta o sofrimento e a felicidade dessas pessoas.
p. 216
O “amor” é sobretudo
uma questão de desejar que os outros vivenciem a felicidade, e não o
sofrimento; a maioria de nós percebe que o amor conduz mais à felicidade, tanto
nossa quanto alheia, do que o ódio. Assim, descobrimos que podemos ser egoístas
todos juntos. p. 217
O fato de desejarmos
a felicidade das pessoas que amamos, e de nos tornarmos felizes por essa razão,
é uma observação empírica. Algumas pessoas não conseguem entender a afirmação
de que a passagem do tempo é relativa ao nosso esquema de referência. Isso impede
que elas participem de qualquer discussão séria sobre física. As pessoas que
não veem ligação entre o amor e a felicidade podem se encontrar na mesma
posição em relação à ética. . p. 217
Não são raros os
lugares onde uma garota de qualquer idade que seja estuprada traz vergonha para
a família. Por sorte, essa vergonha não é indelével; pode ser prontamente
expurgada com o sangue da própria moça. Por isso a prática é simplesmente
cortar a garganta da garota, ou jogar gasolina e atear fogo, ou matar com um tiro.
O que podemos dizer sobre esse comportamento? Podemos dizer que os homens do
Oriente Médio, tão mortalmente obcecados pela pureza sexual feminina, amam menos suas esposas, filhas e irmãs do
que os homens americanos ou europeus? Claro que podemos. Não há dúvida de que
certas crenças são incompatíveis com o amor, e esse conceito de “honra” está
entre elas. p. 219
A predisposição para
amar implica a perda, ao menos até certo ponto, do nosso egocentrismo. A
maioria de nós considera que decepar a cabeça de uma garotinha por ela ter sido
estuprada não representa muito bem esses sentimentos. p. 220
Talvez exista alguma
cultura em que você precise esfolar o seu primogênito vivo para expressar o seu
“amor”. Mas, a não ser que todos nessa cultura queiram ser esfolados vivos,
esse comportamento é simplesmente incompatível com o amor tal como o
conhecemos. p. 221
Qualquer cultura que
estimula os homens e os rapazes a matar garotas vítimas de desgraças, em vez de
consolá-las, é uma cultura que conseguiu retardar o desenvolvimento do amor. p.
221
Como podemos aprender
a ser simplesmente seres humanos, despidos de qualquer forte identidade
nacional, ética ou religiosa? Podemos ser razoáveis. A razão não é nada mais do
que a guardiã do amor. p. 221
É possível querer ser
cada vez mais afetuoso e compassivo por razões puramente egoístas. p. 223
Ódio, inveja, rancor,
aversão, vergonha – nada disso pode ser fonte de felicidade, pessoal ou social.
O amor e a compaixão são. p. 223
Sempre que
consentimos em jogar bombas, fazemos isso sabendo que algumas crianças ficarão
cegas, serão evisceradas, se tornarão órfãs, paralíticas e até morrerão. p. 225
Três milhões de almas
podem ter morrido de fome ou sido assassinadas no Congo, e a nossa mídia,
dotada de mil olhos, como Argos, nem sequer pisca. No entanto, quando uma
princesa morre em um acidente de automóvel, um quarto da população mundial
entra em estado de profunda tristeza. Talvez sejamos incapazes de sentir o que
precisaríamos sentir para poder mudar o nosso mundo. p. 228
A lua cheia que surge
no horizonte não é maior do que a lua cheia no zênite, mas parece ser maior, por razões ainda obscuras para os
neurocientistas. Basta segurar uma régua contra o céu e ela nos revela algo que
somos incapazes de ver de outra forma, mesmo compreendendo que nossos olhos
estão nos enganando. p. 231
Um único sociopata,
armado apenas com uma faca, poderia exterminar uma cidade inteira de
pacifistas. p. 232
Por que seria
considerado ético salvar a própria felicidade na próxima vida, às custas da
manifesta agonia de crianças nesta vida? p. 235
A vida sob o Talibã
é, aproximadamente, o que milhões de muçulmanos ao redor do mundo desejam impor
para o resto de nós. p. 236
É verdade que os
lírios do campo têm roupagem admirável, mas eu e você saímos do útero nus,
chorando e esperneando. p. 238
Por mais próximos que
estejamos dos outros, nossos prazeres e sofrimentos são apenas nossos. p. 240
O fato de que uma
droga como o Prozac tem o poder de aliviar muitos sintomas da depressão sugere
que o sofrimento mental pode ser não mais etéreo do que uma pilulinha verde. Mas
a flecha da influência voa para os dois lados. p. 240
Portanto, obviamente
há mais coisas no sofrimento, mesmo da dor física, do que apenas a sensação de
dor. p. 241
Descartes afirma que
há duas substâncias no universo de Deus: matéria e espírito. Quando a ciência
começou a lançar sua luz materialista sobre os mistérios da mente humana, o
dualismo de Descartes passou a receber duros golpes. p. 241
Ainda que saibamos
muitas coisas sobre nós mesmos em termos anatômicos, fisiológicos e evolutivos,
atualmente não fazemos ideia do motivo que faz cada um ser a pessoa que é. p.
243
O famoso mistério
enunciado pelo filósofo Schelling: Por que haveria de existir algo no universo,
e não apenas o nada. p. 243
Em termos físicos,
cada um de nós é um sistema, aprisionado em uma ininterrupta troca de matéria e
energia com um sistema maior que é nosso planeta. p. 244
Como sistema físico,
você depende tanto da natureza, neste momento, quanto seu fígado depende do
resto do seu corpo. p. 245
Em termos físicos,
você é um pouco mais do que um rodamoinho no grande rio da vida. p. 245
Qualquer privilégio
que tentemos atribuir aos limites da nossa pele, na nossa busca pelo eu físico, parece profundamente
arbitrário. p. 245
Será que a sua
vontade de estar fisicamente em forma – ou seu gosto para roupas, sua noção de
comunidade, sua expectativa de bondade recíproca, sua timidez, sua afabilidade,
suas peculiaridades sexuais etc. – é algo que se origina de você mesmo? p.
245-246
Muitos desses
fenômenos parecem não ser parte de “nós”, em última análise, tanto quanto as
regras gramaticais do seu idioma. p. 246
A noção de ser um eu persiste. Se o termo “eu” se referir
a alguma coisa, não será simplesmente ao corpo.
p. 246
O “eu” é apenas o
ponto de vista em torno do qual os estados mutáveis da mente e do corpo parecem
se constelar, em termos vivenciais o corpo é algo com que o eu consciente, se é
que isso existe, está em relação. p. 256
É provável que nossos
pais tenham nos encontrado no berço bem antes de nós mesmos nos encontrarmos
lá. p. 248
A busca do “eu”
parece implicar um paradoxo: afinal, estamos buscando exatamente a coisa que
está fazendo a busca. p. 249
Quase todos os nossos
problemas podem ser atribuídos ao fato de que o ser humano é profundamente
iludido pela sensação de ser separado. p. 249
Não há maior
obstáculo a uma abordagem verdadeiramente empírica da experiência espiritual do
que nossas crenças atuais acerca de Deus. p. 249
A tese de Jared
Diamond: A civilização não se desenvolveu na África subsaariana porque não é
possível selar um rinoceronte e montá-lo para entrar em batalha. A fé é mais ou
menos como um rinoceronte: não ajuda muito no mundo real, mas mesmo assim exige
toda a sua atenção se estiver bem perto. p. 250
Passamos a vida
contando a nós mesmos a história do passado e do futuro, enquanto a realidade
do presente permanece, de modo geral, inexplorada. p. 254
A religião não é nada
mais do que maus conceitos, conservados no lugar de bons conceitos, para todo o
sempre. É a negação – ao mesmo tempo cheia de esperança e cheia de medo – da
vastidão da ignorância humana. p. 257
Na melhor das
hipóteses, a fé religiosa torna as pessoas, mesmo as bem-intencionadas,
incapazes de pensar racionalmente sobre muitas das suas preocupações mais
profundas; e, na pior das hipóteses, é uma fonte contínua de violência entre os
seres humanos. p. 259
Seja qual for o resultado
de nossas divergências religiosas numa próxima vida, o certo é que essas
diferenças têm um único término nesta vida – um futuro de ignorância e de
chacinas. p. 260
A violência religiosa
continua entre nós porque nossas religiões são intrinsecamente hostis umas com as outras. p. 261
Se um dia as guerras
religiosas se tornarem inimagináveis para nós, da mesma forma que a escravidão
e o canibalismo, será por conta de termos abandonado os dogmas da fé. p. 261
Ninguém deveria
ganhar pontos no nosso discurso por iludir a si próprio. p. 262
O Deus de Abraão não
apenas não merece a imensidade de toda a Criação; ele não merece sequer o
homem. p. 263
Deve ser possível
viver eticamente sem ter a pretensão de saber coisas sobre as quais somos
absolutamente ignorantes. p. 263
Não é preciso haver
um esquema de recompensas e punições que transcenda esta vida para justificar a
nossa intuição moral, ou para torná-la um guia eficaz do nosso comportamento no
mundo. p. 263
O homem não é a medida de todas as coisas. O
universo está cheio de mistérios. p. 264
Nenhuma ficção tribal
precisa ser repetida para percebermos, um belo dia, que nós de fato amamos
nossos vizinhos, que nossa felicidade é inseparável da deles, e que nossa
interdependência exige que as pessoas de todas as partes do mundo tenham a
oportunidade de se desenvolver plenamente. p. 264
A psique humana tem
duas grandes doenças: a necessidade de consumar vendetas pelas gerações afora,
e a tendência de colar algum rótulo grupal nas pessoas, em vez de enxergar cada
uma como um indivíduo. p. 265
Auschwitz, gulags e
os campos da morte do Camboja não são exemplos do que acontece quando as
pessoas se tornam demasiado críticas
acerca de crenças não justificadas; ao contrário, esses horrores atestam os
perigos de não pensar criticamente a respeito de ideologias seculares. Meu
argumento contra a fé religiosa não é um argumento a favor da adoção cega do
ateísmo como dogma. p. 268
Não conheço nenhuma
sociedade na história humana que tenha sofrido porque sua população se tornou
demasiado sensata. p. 268
Seria de espantar se
uma atitude positiva diante da incerteza levasse, inevitavelmente, a convicções
ridículas acerca da origem divina de certos livros, a tabus culturais bizarros,
ao ódio abjeto pelos homossexuais ou ao status inferior da mulher. p. 269
Quando as provas para
uma afirmação religiosa são inexistentes ou muito tênues, ou quando há provas
eloquentes contra elas, as pessoas invocam a fé. p. 269
A fé é simplesmente,
a licença que elas dão a si mesmas para continuar
acreditando mesmo quando não há razões para isso. p. 270
Quando a investigação
racional dá apoio a um credo, ela é defendida; quando representa uma ameaça a
esse credo, ela é ridicularizada. p. 270
A política e a
economia não fazem com que um homem decida se explodir no meio de um grupo de
crianças enquanto sua mãe canta louvores a esse ato. Os milagres desse tipo em
geral exigem a fé religiosa. p. 271
É hora de os
muçulmanos – em especial as mulheres muçulmanas – perceberem que ninguém sofre
tanto as consequências do islã como eles próprios. p. 272
A religião convence
homens e mulheres inteligentes a não pensar, ou a pensar de uma maneira
distorcida. E, mesmo assim, continua sendo tabu criticar a fé religiosa na
nossa sociedade. O melhor em nós (a razão e a honestidade intelectual) tem que
permanecer oculto, por medo de ofender alguém. p. 275
Não existe no Corão
nenhum equivalente para o versículo do Novo Testamento “Dai a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus”. Assim, parece que não existe no islamismo uma
base para a separação entre os poderes da Igreja e do Estado. p. 2279
A incompatibilidade
entre nossas crenças religiosas já as torna suspeitas por princípio. p. 281
Comentários
Postar um comentário